A transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade, embora não caracterize uma “venda” no sentido estrito, possui implicações relevantes no que diz respeito ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Recentemente, o cenário jurídico-tributário foi impactado pelo julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF 499 e pela subsequente edição do Convênio ICMS 109/24, que buscam regulamentar a transferência de créditos de ICMS nessas operações.
Analisaremos as particularidades da tributação de ICMS nas transferências de materiais de Santa Catarina (SC) para São Paulo (SP), considerando cenários onde houve e não houve crédito na aquisição original da mercadoria.
A Regra Geral: Não Incidência e Transferência de Crédito
Por regra geral, o ICMS não incide nas operações de transferência entre matriz e filial (ou entre estabelecimentos de mesma titularidade). Essa premissa, inclusive, está expressa no Art. 6º, inciso VI, do RICMS/SC, que trata da não incidência em operações de transferência de propriedade de estabelecimento.
Entretanto, para que a não incidência não prejudique o direito ao crédito da empresa, especialmente em operações interestaduais, a legislação exige a transferência do crédito de ICMS para o estabelecimento destinatário. Ou seja, mesmo sem a incidência direta do imposto na operação de transferência, o valor do crédito de ICMS deve ser destacado na Nota Fiscal para que a filial em São Paulo possa se apropriar dele.
Essa sistemática visa a assegurar que o contribuinte mantenha o direito ao crédito relativo às operações e prestações anteriores, conforme § 5º do Art. 4º da Lei nº 10.297/96 (RICMS/SC).
Cenário 1: Mercadoria sem Crédito de ICMS na Aquisição (Máquina Usada)
No seu caso, a máquina usada foi adquirida em SC como venda de ativo imobilizado, e não houve tomada de crédito de ICMS na compra. Quando essa máquina for transferida de SC para SP (entre estabelecimentos de mesma titularidade), a regra é clara:
- Não haverá destaque de ICMS na Nota Fiscal de transferência.
- Não há crédito a ser transferido, pois na origem (SC) não houve direito à apropriação do crédito de ICMS na aquisição do bem.
A base legal para essa interpretação está no fato de que o crédito a ser transferido (Art. 31-A e 31-D do RICMS/SC, com base no Convênio ICMS 109/24) corresponde ao imposto apropriado referente às operações anteriores. Se não houve apropriação, não há o que transferir.
Cenário 2: Mercadoria com Crédito de ICMS na Aquisição (Matéria-Prima)
No caso da matéria-prima adquirida em SC, houve o direito à apropriação do crédito de ICMS. Ao transferir essa matéria-prima de SC para SP (entre estabelecimentos de mesma titularidade), o procedimento será o seguinte:
- Destaque do ICMS na Nota Fiscal de transferência: Embora o imposto não incida na operação de transferência, o ICMS deverá ser destacado no campo próprio do documento fiscal.
- Transferência do Crédito: O valor do crédito a ser transferido corresponderá ao imposto apropriado referente às operações anteriores da matéria-prima. Esse crédito é limitado ao resultado da aplicação dos percentuais equivalentes às alíquotas interestaduais do ICMS, sobre o valor da mercadoria (valor médio de entrada em estoque, custo da mercadoria produzida, etc.), conforme o Art. 31-D do RICMS/SC.
- Apropriação pelo Destinatário (SP): O estabelecimento em São Paulo poderá apropriar-se do crédito transferido, registrando-o a crédito em sua escrituração fiscal.
Observações Importantes
- Ausência de Crédito Acumulado: O fato de não possuir crédito acumulado não interfere na sistemática de transferência de crédito em operações de mesma titularidade, pois o crédito a ser transferido é o referente àquela operação específica.
- Alternativa do Contribuinte: O § 6º do Art. 4º da Lei nº 10.297/96 (RICMS/SC) prevê uma opção para o contribuinte: equiparar a transferência de mercadoria para estabelecimento pertencente ao mesmo titular a uma operação sujeita à ocorrência do fato gerador do imposto. Nesse caso, seriam observadas as alíquotas internas ou interestaduais aplicáveis. No entanto, essa é uma alternativa que deve ser cuidadosamente avaliada quanto à sua conveniência e impactos fiscais.
- Impacto do Convênio ICMS 109/24: Este convênio, que alterou o Convênio ICMS 178/23, regulamenta de forma mais detalhada a transferência de créditos de ICMS nessas operações, sendo fundamental a sua observância para a correta aplicação das regras.
Em suma, a transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade não é tributada pelo ICMS, mas exige a transferência do crédito de ICMS para o estabelecimento de destino, desde que haja crédito a ser transferido da origem. A ausência de crédito na aquisição original da mercadoria (como no caso da máquina usada) implica na não transferência de ICMS, mantendo a não incidência.