A industrialização triangular, também conhecida como operação de industrialização por conta e ordem de terceiros, é uma modalidade complexa, mas essencial para muitas empresas brasileiras. Ela ocorre quando um cliente (o adquirente ou autor da encomenda) compra matérias-primas de um fornecedor, mas pede que a entrega seja feita diretamente a um terceiro (o industrializador). O objetivo é otimizar a logística e os custos, evitando que a mercadoria transite fisicamente pelo estabelecimento do adquirente.
Contudo, a complexidade fiscal é uma realidade. A correta emissão das notas fiscais, a aplicação dos Códigos Fiscais de Operações e Prestações (CFOPs), dos Códigos de Situação Tributária (CSTs) e a devida apuração dos tributos como ICMS, IPI, PIS e COFINS são cruciais para a conformidade. Este artigo detalha os aspectos fundamentais dessa operação, com base na legislação paulista (RICMS/SP), mas aplicável com devidas adaptações a outros estados.
A Dinâmica da Industrialização Triangular
Em essência, a operação envolve três agentes:
- Fornecedor (Remetente Original): Vende a matéria-prima e a entrega diretamente ao industrializador.
- Adquirente (Autor da Encomenda): Compra a matéria-prima do fornecedor e contrata o industrializador para transformá-la, sendo o proprietário legal do produto final.
- Industrializador: Recebe a matéria-prima do fornecedor e realiza o processo de industrialização, retornando o produto acabado (ou semiacabado) ao adquirente.
A legislação busca simplificar o fluxo tributário, prevendo a suspensão e o diferimento de impostos em momentos específicos da cadeia, conforme veremos a seguir.
Aspectos Tributários Cruciais na Industrialização Triangular
É fundamental entender os dispositivos legais que regem essa operação:
- Artigo 406 do RICMS/SP: Estabelece que, quando um estabelecimento mandar industrializar mercadoria com fornecimento de matéria-prima, produto intermediário ou material de embalagem adquirido de fornecedor que promova sua entrega diretamente ao industrializador, as disposições específicas devem ser observadas.
- Artigo 402 do RICMS/SP: Prevê a suspensão do ICMS incidente na saída de mercadoria para industrialização. O imposto só será efetivado no momento em que, após o retorno dos produtos industrializados ao estabelecimento de origem (o autor da encomenda), este promover a subseqüente saída dos mesmos produtos.
- Artigo 409 do RICMS/SP: Condiciona o diferimento do ICMS ao retorno dos produtos industrializados ao estabelecimento de origem dentro do prazo de 180 dias, contados da data da saída da mercadoria do estabelecimento autor da encomenda.
Emissão das Notas Fiscais e Aplicação dos CFOPs e CSTs
A complexidade da industrialização triangular se manifesta na emissão de múltiplas notas fiscais, cada uma com sua particularidade de CFOP e CST.
I – O Estabelecimento Fornecedor Deverá Emitir Duas Notas Fiscais:
- Nota Fiscal em nome do Estabelecimento Adquirente (Autor da Encomenda):
- CFOP:
- 5.122 (dentro do estado) / 6.122 (fora do estado): “Venda de produção do estabelecimento remetida para industrialização, por conta e ordem do adquirente, sem transitar pelo estabelecimento do adquirente.”
- 5.123 (dentro do estado) / 6.123 (fora do estado): “Venda de mercadoria adquirida ou recebida de terceiros remetida para industrialização, por conta e ordem do adquirente, sem transitar pelo estabelecimento do adquirente.”
- Natureza da Operação: Venda de produção do estabelecimento remetida para industrialização, por conta e ordem do adquirente, sem transitar pelo estabelecimento do adquirente / Venda de mercadoria adquirida ou recebida de terceiros remetida para industrialização, por conta e ordem do adquirente, sem transitar pelo estabelecimento do adquirente.
- CST ICMS: 00 – Tributado (ICMS destacado normalmente, pois é a venda da mercadoria).
- CST IPI: 50 – Tributado (IPI destacado, se aplicável ao produto e ao fornecedor).
- CST PIS/COFINS: 01 – Tributado (Incidência normal sobre a receita da venda).
- Dados Adicionais: Informar os dados do estabelecimento industrializador (CNPJ, Inscrição Estadual e endereço completo), e a circunstância de que os produtos se destinam à industrialização por conta e ordem do adquirente.
- CFOP:
- Nota Fiscal em nome do Estabelecimento Industrializador:
- CFOP: 5.924 (dentro do estado) / 6.924 (fora do estado): “Remessa para industrialização por conta e ordem do adquirente da mercadoria, quando esta não transitar pelo estabelecimento do adquirente.”
- Natureza da Operação: Remessa para industrialização por conta e ordem do adquirente da mercadoria, quando esta não transitar pelo estabelecimento do adquirente.
- CST ICMS: 90 – Outros (ICMS não é destacado, pois a tributação já ocorreu na nota de venda para o adquirente).
- CST IPI: 99 – Outras (IPI não é destacado novamente).
- CST PIS/COFINS: 49 – Outras (Não há nova incidência, pois não é uma nova receita).
- Dados Adicionais: Informar os dados do estabelecimento em que os produtos serão entregues, bem como a circunstância de que se destinam a industrialização por conta e ordem. Essencial referenciar os dados da nota fiscal de venda (CFOP 5.122/5.123) emitida para o adquirente.
II – O Estabelecimento Autor da Encomenda (Adquirente) Deverá Emitir uma Nota Fiscal:
- Nota Fiscal em nome do Estabelecimento Industrializador (Remessa Simbólica):
- CFOP: 5.949 (dentro do estado) / 6.949 (fora do estado): “Remessa simbólica para industrialização por conta e ordem.” (Este CFOP é fundamental para formalizar a “entrega” do adquirente ao industrializador, mesmo que a mercadoria não transite por ele).
- Natureza da Operação: Remessa simbólica para industrialização por conta e ordem.
- CST ICMS: 50 – Suspensão (Conforme Art. 402 do RICMS/SP).
- CST IPI: 55 – Saída com suspensão (Conforme Art. 43, VI do RIPI/10).
- CST PIS/COFINS: 08 – Operação sem Incidência da Contribuição.
- Dados Adicionais: Indicar “ICMS suspenso conforme artigo 402 do RICMS/SP” e “IPI suspenso conforme artigo 43, VI do RIPI/10”. Mencionar os dados da nota fiscal recebida do fornecedor (CFOP 5.122/5.123).
III – O Estabelecimento Industrializador Deverá Emitir uma Única Nota Fiscal no Retorno:
A Nota Fiscal de retorno do industrializador ao adquirente (autor da encomenda) deve ser única, englobando o retorno da matéria-prima recebida, a mão de obra e os materiais aplicados, conforme as Decisões Normativas CAT 2/03 e 4/03 e Resposta à Consulta 9041M1/2019.
- CFOPs na Nota Fiscal Única: O industrializador deve emitir uma única NF-e com a expressão “Retorno de Produtos Industrializados por Encomenda”, utilizando:
- 5.902 (dentro do estado) / 6.902 (fora do estado): “Retorno de mercadoria utilizada na industrialização por encomenda.” (Para a matéria-prima recebida do fornecedor).
- 5.903 (dentro do estado) / 6.903 (fora do estado): “Retorno de mercadoria recebida para industrialização e não aplicada no referido processo.” (Se houver matéria-prima não utilizada).
- 5.125 (dentro do estado) / 6.125 (fora do estado): “Industrialização efetuada para outra empresa quando a mercadoria recebida para utilização no processo de industrialização não transitar pelo estabelecimento adquirente da mercadoria.” (Para a mão de obra e os materiais aplicados pelo industrializador).
- Detalhamento dos Itens da NF-e (Conforme Decisão Normativa CAT 2/03 e Resposta à Consulta 21728/2020 e 21727/2020):
- Mão de Obra (Serviços):
- NCM: Utilizar “00000000” (oito zeros).
- CST ICMS: 51 – Diferimento (Se aplicável a Portaria CAT 22/07).
- CST IPI: 55 – Saída com suspensão (Conforme Art. 43, VII do RIPI/10).
- CST PIS/COFINS: 01 – Operação Tributável com Alíquota Básica.
- Dados Adicionais: Indicar “Diferimento do ICMS conforme Portaria CAT nº 22/07” e “IPI suspenso conforme artigo 43, VII do RIPI/10”.
- Material Aplicado:
- NCM: Preencher com o NCM correspondente a cada uma das mercadorias empregadas (devem ser discriminadas individualmente).
- CST ICMS: 00 – Tributado (ICMS destacado sobre os materiais aplicados).
- CST IPI: 55 – Saída com suspensão (Conforme Art. 43, VII do RIPI/10).
- CST PIS/COFINS: 01 – Operação Tributável com Alíquota Básica.
- Dados Adicionais: Indicar “IPI suspenso conforme artigo 43, VII do RIPI/10”.
- Retorno da Matéria-Prima Recebida (Não industrializada ou transformada):
- CST ICMS: 50 – Suspensão (Conforme Art. 402 do RICMS/SP).
- CST IPI: 55 – Saída com suspensão (Conforme Art. 43, VII do RIPI/10).
- CST PIS/COFINS: 08 – Operação sem Incidência da Contribuição.
- Dados Adicionais: Indicar “ICMS suspenso conforme artigo 402 do RICMS/SP” e “IPI suspenso conforme artigo 43, VII do RIPI/10”. Essencial referenciar os dados da nota fiscal de remessa (CFOP 5.949) emitida pelo adquirente.
- Mão de Obra (Serviços):
- Código de Enquadramento do IPI: Na NF-e de retorno, utilizar o código 109 – “Suspensão-Produtos industrializados por encomenda remetidos ao estabelecimento e origem – Art. 43 Inciso VII do Decreto 7.212/2010”.
- Documento Fiscal Referenciado: Para as NF-e de devolução/retorno, é obrigatório informar o documento fiscal referenciado, ou seja, a nota fiscal de remessa original.
Casos Específicos e Considerações Adicionais
- Diferimento quando Industrializador é do Simples Nacional: A Decisão Normativa CAT 13/09 esclarece a aplicabilidade da suspensão (Art. 402 RICMS/2000) e do diferimento (Portaria CAT-22/2007) para empresas optantes pelo Simples Nacional que industrializam mercadorias sob encomenda de contribuintes paulistas. É crucial consultar essa decisão para evitar erros.
- Energia Elétrica e Combustíveis: A Resposta à Consulta 18915/2019 esclarece que energia elétrica e combustíveis utilizados nas máquinas diretamente vinculadas ao processo produtivo também são considerados materiais aplicados na industrialização.
- Discriminação dos Produtos no Retorno: Conforme o RICMS/SP (Art. 404, I, “b” e Art. 127, IV), e a Decisão Normativa CAT-2/03, a Nota Fiscal de retorno deve discriminar individualmente as mercadorias empregadas na industrialização por conta de terceiro.
- Valor e Destacamento de Impostos no Retorno: Ao promover a saída dos produtos resultantes da industrialização, o industrializador deve emitir Nota Fiscal com CFOPs de industrialização por conta de terceiro (Art. 402 e seguintes do RICMS/2000), indicando o valor das matérias-primas recebidas (na proporção dos produtos devolvidos) e acrescentando o valor dos materiais e da mão de obra empregados. O imposto devido deve ser destacado.
Conclusão
A industrialização triangular, embora represente uma estratégia logística e produtiva eficiente, exige um profundo conhecimento da legislação fiscal. A correta aplicação dos CFOPs, CSTs, e a observância dos prazos e condições para suspensão e diferimento do ICMS são vitais para evitar contingências fiscais e garantir a conformidade da operação. Consultar a legislação específica do seu estado e buscar o apoio de um profissional contábil ou fiscal é sempre a melhor prática para navegar com segurança por essas complexidades.
Você já enfrentou desafios na emissão de notas fiscais para operações de industrialização triangular? Compartilhe sua experiência nos comentários!