A atividade da construção civil no Brasil apresenta uma complexidade fiscal única, que a diferencia de outros setores da economia. Embora intimamente ligada à movimentação de materiais, em regra, as empresas do ramo não são consideradas contribuintes do ICMS (Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação), mas sim do ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza). Essa distinção fundamental impacta diretamente a emissão de documentos fiscais, a apuração de impostos e o cumprimento de obrigações acessórias.
ICMS na Construção Civil: Não Incidência e Obrigações Acessórias
Apesar de não serem contribuintes habituais do ICMS, as empresas de construção civil estão sujeitas à inscrição no CADESP (Cadastro de Contribuintes do ICMS) para o cumprimento de obrigações acessórias. Sempre que houver saída de mercadoria ou transmissão de sua propriedade, a empresa deverá emitir Nota Fiscal.
O Artigo 2º do Anexo XI do RICMS/SP detalha as situações em que o ICMS não incide sobre operações relacionadas à construção civil:
- Execução de obra por administração sem fornecimento de material: Quando a empresa apenas gerencia a obra e a mão de obra, sem fornecer os materiais.
- Fornecimento de material adquirido de terceiro pelo empreiteiro ou subempreiteiro para aplicação na obra: Os materiais são adquiridos de outros fornecedores e aplicados na obra.
- Movimentação de material entre estabelecimentos do mesmo titular, entre estes e a obra ou de uma para outra obra: A circulação interna de materiais da própria empresa para suas obras não gera ICMS. Essa movimentação deve ser acobertada por uma Nota Fiscal de “Simples Remessa”, sem débito ou crédito de imposto, conforme a Resposta à Consulta Tributária 16740/2017.
- Saída de máquina, veículo, ferramenta ou utensílio para prestação de serviço em obra, desde que deva retornar ao estabelecimento do remetente: Equipamentos enviados para a obra com previsão de retorno ao estabelecimento de origem.
Aquisição de Mercadorias e Entrega Direta na Obra
Quando uma empresa de construção civil adquire mercadorias de terceiros, o fornecedor pode remetê-las diretamente para a obra. Para isso, o documento fiscal (NF-e) deve conter o nome, endereço e os números de inscrição (estadual e CNPJ) da empresa de construção, além da indicação expressa do local de entrega da obra.
Na NF-e, o emitente deve preencher os dados da empresa de construção no Grupo “E” (Identificação do Destinatário) e as informações do endereço da obra nos campos específicos do Grupo “G” (Identificação do Local de Entrega), caso o local de entrega seja diferente do endereço do destinatário (Resposta à Consulta Tributária 19731/2019). É crucial notar que, se a obra estiver em outro estado, essa regra paulista deve ser confirmada com o fisco do estado de destino.
Escrituração das Notas Fiscais de Compra
Para a escrituração das notas fiscais de compra de mercadorias a serem utilizadas em serviços sujeitos ao ISSQN, os CFOPs adequados são:
- 1.128: Compra para utilização na prestação de serviço sujeita ao ISSQN (operações internas).
- 2.128: Compra para utilização na prestação de serviço sujeita ao ISSQN (operações interestaduais).
- 3.128: Compra para utilização na prestação de serviço sujeita ao ISSQN (operações de importação).
Diferencial de Alíquotas (DIFAL) na Construção Civil
O DIFAL é um tema de particular atenção para empresas de construção civil, especialmente em aquisições interestaduais.
- Adquirente Não Contribuinte do ICMS: Em regra, empresas de construção civil não são contribuintes do ICMS. Para aquisições interestaduais por não contribuintes, a responsabilidade pelo recolhimento do DIFAL é do remetente situado no outro Estado, conforme o artigo 155, § 2º, VII, da Constituição Federal (Respostas à Consulta Tributária 15738/2017 e 28425/2023). Empresas do Simples Nacional, quando adquirentes não contribuintes do ICMS, não recolhem DIFAL.
- Operações com Destino a Obra de Construção Civil em Outro Estado:
- Se a empresa de construção civil (consumidor final não contribuinte) adquire mercadorias em São Paulo para serem entregues diretamente em canteiros de obras em outros estados, a operação é considerada interestadual, e o DIFAL é devido ao estado de destino físico da mercadoria (canteiro de obra).
- Quando um fornecedor paulista vende a uma empresa de construção civil (consumidor final não contribuinte) localizada em SP, mas a entrega é em obra em outro estado, o fornecedor paulista recolhe o ICMS interestadual e o DIFAL para o estado de destino (local da entrega). Deve ser emitida uma NF-e para cada endereço de entrega, com CFOP 6.107 ou 6.108, destacando o ICMS e o DIFAL.
- Se uma empresa de construção civil paulista (consumidor final não contribuinte) adquire mercadoria de outro estado, o DIFAL só será devido ao Estado de São Paulo se houver entrega física da mercadoria no território paulista.
- Aquisição em Outros Estados com Atividades Mistas: Se a empresa de construção civil também exerce atividades sujeitas ao ICMS (além da construção civil), ela será considerada contribuinte em todas as suas aquisições interestaduais, mesmo que a mercadoria seja para uso e consumo ou ativo imobilizado na obra. Nesses casos, o adquirente paulista tem a obrigação de recolher o DIFAL (diferença entre a alíquota interna de SP e a interestadual), conforme artigo 117 do RICMS/2000 (Resposta à Consulta Tributária 14802/2017).
- Aquisição em Outro Estado com Entrega na Obra do Mesmo Estado: Se uma empresa de construção civil paulista adquire mercadoria em outro estado e a entrega ocorre em um canteiro de obras nesse mesmo outro estado, sem que a mercadoria ingresse em território paulista, a operação é considerada interna do estado de origem e não há DIFAL devido a São Paulo (Resposta à Consulta Tributária 27840/2023).
Devolução de Compra por Não Contribuinte
Uma alteração importante no RICMS/SP em 2020 (Decreto 64.772/2020) incluiu o § 16 ao Artigo 61, permitindo o crédito do ICMS no caso de desfazimento de venda para não contribuinte.
- O estabelecimento que receber mercadoria devolvida por produtor ou por qualquer pessoa natural ou jurídica não considerada contribuinte ou não obrigada à emissão de documento fiscal, poderá creditar-se do valor do imposto debitado por ocasião da saída da mercadoria.
- Antes dessa alteração, o fisco entendia que a devolução de mercadoria por consumidor final não contribuinte (fora de troca ou garantia) não gerava direito a crédito de ICMS (Resposta à Consulta Tributária 19104/2019). No entanto, com a mudança, a posição atual permite o crédito, observando os artigos 38, §4°, da Lei Estadual nº 6.374/89, e os artigos 452, 61, § 16 e 63, inciso I, do RICMS/2000 (Resposta à Consulta Tributária 22079/2020).
ISSQN na Construção Civil
O ISSQN é o principal imposto incidente sobre os serviços de construção civil. A Lei Complementar Federal 116/03 estabelece a base de cálculo como o preço do serviço.
- Deduções na Base de Cálculo: Nos serviços descritos nos subitens 7.02 (execução de obras de construção civil) e 7.05 (reparação, conservação e reforma de edifícios) da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/03, não se incluem na base de cálculo do ISSQN o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços. Em São Paulo, o Decreto 53151/12 (Art. 31) permite deduzir o valor dos materiais incorporados ao imóvel e das subempreitadas já tributadas pelo imposto. O prestador deve informar essas deduções no campo “Valor Total das Deduções” da NFS-e.
ISS Retido na Fonte
- Regra Geral: O ISS é devido no local do estabelecimento prestador do serviço.
- Exceção para Construção Civil: Para serviços de construção civil, o ISS é devido no município da execução da obra. O município pode, a seu critério, atribuir a responsabilidade pelo pagamento do ISS ao tomador do serviço.
- Simples Nacional e Retenção: Empresas do Simples Nacional que prestam serviços de construção civil sujeitos à retenção do ISS devem aplicar as alíquotas previstas nos Anexos da Lei Complementar nº 123/2006. Se a alíquota não for informada na nota fiscal, a alíquota aplicável na retenção na fonte será de 5%.
- Retenção em São Paulo (Lei 13.701/2003):
- Prestador em SP, Obra em SP: O prestador é o responsável pelo recolhimento do ISS, e não haverá retenção.
- Prestador de Outro Município, Obra em SP, Tomador em SP: O tomador será responsável pelo pagamento do ISS e deverá reter o imposto na fonte.
- A base de cálculo do ISS em São Paulo, para serviços de construção civil, é o preço do serviço deduzido do valor dos materiais incorporados ao imóvel (fornecidos pelo prestador) e das subempreitadas já tributadas.
INSS Retido na Construção Civil
Serviços de construção civil estão sujeitos à retenção do INSS se contratados mediante cessão de mão de obra ou empreitada, conforme a IN RFB Nº 2110/2022. A elaboração de projetos não se sujeita a essa retenção.
- Definições:
- Construção Civil: Inclui construção, demolição, reforma ou acréscimo de edificações e benfeitorias.
- Cessão de Mão de Obra: Colocação de trabalhadores à disposição do contratante para serviços contínuos.
- Empreitada: Execução contratual de obra ou serviço por preço ajustado, com ou sem fornecimento de material ou equipamentos.
- Simples Nacional e INSS Retido: Apenas empresas do Simples Nacional tributadas pelo Anexo IV (que abrange construção de imóveis e obras de engenharia em geral) estão sujeitas à retenção do INSS. Nesses casos, a contribuição previdenciária (INSS-CPP) não está incluída no Simples Nacional e deve ser recolhida separadamente, como as empresas não optantes.
- Dispensa da Retenção: A contratante pode ser dispensada da retenção e a contratada de destacar a retenção na NF quando:
- O valor de 11% dos serviços na NF for inferior a R$ 10,00.
- A contratada não tiver empregados, o serviço for prestado pessoalmente pelo titular/sócio e o faturamento do mês anterior for igual ou inferior a 2 vezes o limite máximo do salário de contribuição, cumulativamente.
- A contratação envolver apenas serviços profissionais regulamentados (ex: arquitetos, engenheiros) prestados pessoalmente pelos sócios, sem empregados.
- Recolhimento e Compensação: O INSS retido deve ser recolhido pela contratante em documento de arrecadação identificado com os dados da contratada. A empresa prestadora de serviço que sofreu a retenção pode compensar o valor retido ao recolher suas próprias contribuições previdenciárias.
- Base de Cálculo e Alíquota: A alíquota geral de retenção é de 11% do valor bruto da nota fiscal. Para empresas que optaram pela Desoneração da Folha de Pagamentos, a alíquota é de 3,5%.
- Dedução da Base de Cálculo:
- Materiais e Equipamentos: Valores de materiais ou equipamentos (exceto manuais) próprios ou de terceiros, se discriminados no contrato e na nota fiscal, não integram a base de cálculo da retenção, desde que comprovados. Existem percentuais mínimos de base de cálculo da retenção caso os valores não sejam discriminados no contrato, mas sim na nota fiscal (ex: 50% para serviços em geral, e percentuais específicos para serviços de construção civil como pavimentação (10%), terraplenagem (15%), obras de arte (45%), drenagem (50%) e outros serviços com equipamentos (35%)).
- Auxílio Alimentação e Vale-Transporte: Podem ser deduzidos da base de cálculo da retenção, se discriminados na nota fiscal e correspondentes ao custo da alimentação in natura (ou auxílio-alimentação não pago em dinheiro a partir de 11/11/2017) e ao vale-transporte (mesmo pago em dinheiro, limitado ao necessário para transporte coletivo).
- Destaque na Nota Fiscal de Serviços: A contratada deve destacar o valor da retenção com o título “RETENÇÃO PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL” na nota fiscal.
IRPJ e CSLL no Lucro Presumido para Construção Civil
A Solução de Consulta COSIT Nº 65/2022 esclarece os percentuais de presunção para IRPJ e CSLL no regime do Lucro Presumido para a atividade de construção:
- IRPJ:
- 8% sobre a receita bruta para empreitada com emprego de todos os materiais indispensáveis à sua execução e incorporados à obra.
- 32% para prestação de serviços em geral e para empreitada unicamente de mão de obra ou com emprego parcial de materiais.
- CSLL:
- 12% sobre a receita bruta para empreitada com emprego de todos os materiais indispensáveis à sua execução e incorporados à obra.
- 32% para prestação de serviços em geral e para empreitada unicamente de mão de obra ou com emprego parcial de materiais.
Outras Considerações
- CÓDIGOS DO ISS (LC 116/03): A lista de serviços da Lei Complementar 116/03 detalha os serviços de engenharia, arquitetura e construção civil nos subitens do item 7.
- Serviços de Hidráulica, Eletricidade, Pintura, etc. por MEI: A contratante desses serviços via MEI é obrigada a recolher a CPP (Contribuição Previdenciária Patronal) e cumprir as obrigações acessórias.
- Produtos para Condicionamento de Ar: O Anexo II do RICMS/SP (Artigo 28) prevê redução da base de cálculo do ICMS para saídas de produtos de condicionamento de ar por estabelecimento fabricante (ou do mesmo titular) com destino a obra de construção civil, resultando em uma carga tributária de 12%. Esse benefício vigora até 31 de dezembro de 2024.
A gestão fiscal na construção civil exige um conhecimento aprofundado das particularidades de cada imposto e das diversas situações que podem surgir. A atenção constante à legislação e às consultas tributárias é fundamental para garantir a conformidade e a saúde financeira da empresa.