A Reforma Tributária sobre o Consumo no Brasil, em especial o que tange ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e à Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), traz consigo uma nova configuração para a tributação de importações que tem gerado debates e preocupações. O artigo 69 da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) estabelece uma base de cálculo para esses novos tributos que vai além do tradicional valor aduaneiro, englobando uma série de outros encargos. Essa metodologia, embora tecnicamente justificada por alguns, acende um alerta para problemas práticos e de conformidade internacional.
Por que a Base de Cálculo “Incha” para Produtos Importados?
A principal razão para o aumento da base de cálculo de IBS e CBS nas importações reside na forma como esses tributos são aplicados.
Incidência “Por Fora” versus Inclusão de Tributos Correlatos
Em uma lógica tributária ideal, o IBS e a CBS deveriam incidir “por fora” sobre o valor efetivo da operação, sem que o próprio tributo — ou outros tributos correlatos — integrassem sua base de cálculo. Isso significa que o imposto deveria ser adicionado ao preço final do produto, e não calculado sobre um montante que já contém outros impostos.
No entanto, o artigo 69 da Reforma Tributária propõe um caminho diferente para as importações. Ele exige que, antes da aplicação do IBS/CBS, sejam somados ao valor aduaneiro todos os tributos e encargos incidentes até a liberação da mercadoria. Isso inclui, mas não se limita a, o Imposto de Importação (II), o Imposto Seletivo, a Taxa de Utilização do Siscomex, o Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), e a CIDE-Combustíveis.
O resultado dessa metodologia é que o importador pagará IBS e CBS sobre um montante que já inclui outros impostos, gerando o que é popularmente conhecido como um “imposto sobre imposto”.
Efeito Cumulativo e Distorção de Custo
Para ilustrar o impacto dessa metodologia, consideremos um exemplo prático:
- Produto Nacional: Se um produto é vendido no mercado interno por R$ 1.000,00, o IBS incidirá diretamente sobre esse valor de R$ 1.000,00.
- Produto Importado: Agora, imagine um produto importado com um valor aduaneiro de R$ 1.000,00. Se sobre ele incidir um Imposto de Importação de 10% (R$ 100,00) e outros encargos totalizarem R$ 50,00, a base de cálculo para o IBS e a CBS não será R$ 1.000,00. Em vez disso, ela “inchará” para R$ 1.150,00 (R$ 1.000,00 + R$ 100,00 + R$ 50,00).
Aplicando-se a mesma alíquota hipotética de 12% de IBS:
- No caso do produto nacional, o IBS seria de R$ 120,00 (12% de R$ 1.000,00).
- No caso do produto importado, o IBS seria de R$ 138,00 (12% de R$ 1.150,00).
Essa diferença, embora possa parecer pequena em valores unitários, acumula-se rapidamente e gera uma carga tributária efetiva maior para bens idênticos importados em comparação com os produzidos nacionalmente. Essa discrepância reduz a competitividade dos produtos importados no mercado brasileiro, indo de encontro ao princípio da neutralidade tributária, que busca tratar produtos similares de forma igual, independentemente de sua origem.
Conflito com o GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio)
Além das implicações econômicas internas, a forma como o IBS e a CBS serão aplicados às importações levanta sérias questões de conformidade com acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário.
O GATT 1994 (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio), pilar da Organização Mundial do Comércio (OMC), estabelece claramente que um produto importado não pode sofrer tributos internos em valor superior ao aplicado a um produto doméstico similar. O objetivo é evitar barreiras não tarifárias ao comércio internacional e garantir um campo de jogo nivelado para todos os participantes.
Ao ampliar a base de cálculo do IBS/CBS especificamente para produtos importados – incluindo outros tributos na base de cálculo –, o Brasil pode estar criando um “tratamento menos favorável” para bens estrangeiros. Essa diferenciação pode ser interpretada como uma violação das regras do GATT, abrindo precedentes para questionamentos em órgãos internacionais e disputas comerciais.
Conclusão
A inclusão de diversos tributos na base de cálculo do IBS e da CBS para as importações, conforme proposto pela Reforma Tributária, representa um ponto de atenção crucial. Ao “inflar” a base de cálculo, o modelo pode onerar desproporcionalmente os produtos importados, distorcer a competitividade no mercado interno e, mais preocupante, gerar conflitos com as regras do comércio internacional, como o GATT. A busca por uma reforma tributária que modernize o sistema e simplifique a arrecadação não deve negligenciar a necessidade de um ambiente de negócios justo e alinhado com os compromissos internacionais do país.
Qual sua opinião sobre as implicações dessa metodologia para o comércio exterior brasileiro?