O Supremo Tribunal Federal (STF) se prepara para julgar, com repercussão geral, a constitucionalidade da limitação de 30% à compensação de prejuízos fiscais do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da base negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) nos casos de extinção da pessoa jurídica. O julgamento promete redefinir o alcance da chamada “trava fiscal” — um dos instrumentos mais debatidos no planejamento tributário das empresas.
Essa limitação, que hoje impede a dedução integral dos prejuízos acumulados, tem impacto profundo nas operações de encerramento empresarial, reorganização societária e estratégias de descontinuidade planejada, transformando-se, em determinados contextos, de mero diferimento em verdadeira perda econômica de ativos tributários.
O Que Diz a Legislação Atual
A legislação do IRPJ (Lei nº 9.065/1995 e Lei nº 9.249/1995) permite que empresas compensem prejuízos fiscais acumulados com lucros futuros, respeitado o limite de 30% do lucro real apurado em cada período. Regra similar aplica-se à base negativa da CSLL.
Esse mecanismo visa preservar a arrecadação ao longo do tempo, mas assume que a empresa continuará em operação e gerará lucros futuros com os quais poderá compensar gradualmente os prejuízos.
Entretanto, esse pressuposto não se aplica a empresas em processo de encerramento definitivo. Nessas situações, a trava de 30% impede o aproveitamento integral dos prejuízos fiscais já constituídos, uma vez que não haverá períodos subsequentes para a continuidade da compensação.
A Questão Constitucional Sub Judice
O recurso com repercussão geral reconhecida no STF questiona justamente essa aplicação da trava de 30% em casos de extinção da pessoa jurídica, argumentando que a norma, quando aplicada nesses contextos, viola:
- O princípio da capacidade contributiva (Art. 145, §1º da Constituição Federal), pois tributa valores que não representam efetivo acréscimo patrimonial;
- O princípio da isonomia, ao tratar de maneira idêntica empresas em operação contínua e empresas em encerramento definitivo;
- O direito adquirido ao aproveitamento de prejuízos fiscais, acumulados de forma legítima ao longo da atividade empresarial.
Impactos em Reorganizações Societárias e Planejamentos de Saída
O julgamento terá repercussão direta sobre operações como:
- Fusões e incorporações, em que uma das empresas é extinta;
- Cisões com encerramento de uma das unidades empresariais;
- Liquidações e falências, onde há finalização das atividades e apuração do lucro final para efeitos fiscais.
Nessas hipóteses, a trava fiscal artificialmente amplia a base de cálculo tributável no último exercício, gerando uma tributação sobre resultado que, sob a ótica econômica, não representa lucro real, mas apenas a impossibilidade técnica de compensação dos prejuízos acumulados.
Descontinuidade Planejada: O Impacto na Tomada de Decisão Empresarial
Empresas que enfrentam cenários de reestruturação estratégica ou planejam descontinuar suas atividades enfrentam a trava de 30% como um obstáculo crítico.
O aproveitamento integral dos prejuízos fiscais acumulados pode ser um fator determinante para:
- Viabilidade do plano de saída ou liquidação;
- Atração de investidores ou compradores, interessados na estrutura fiscal da empresa;
- Cálculo de valor de mercado e negociação de passivos.
A impossibilidade de deduzir integralmente esses créditos transforma um direito tributário reconhecido em ativo sem realização prática, gerando desequilíbrios financeiros justamente no momento mais delicado da trajetória empresarial.
Consequências Práticas e Econômicas
A manutenção da trava nos casos de encerramento definitivo da empresa gera, na prática:
- Tributação sobre base artificial, sem correspondência com lucro real;
- Perda econômica de ativos fiscais legítimos;
- Aumento do custo de reorganizações e encerramentos, desestimulando soluções jurídicas adequadas;
- Desalinhamento entre a norma infraconstitucional e os princípios de justiça fiscal, que exigem coerência entre a imposição tributária e a capacidade de contribuição real do contribuinte.
O Que Está em Jogo no STF
O julgamento do STF transcende uma questão técnica. Está em discussão a limitação do poder de tributar diante de situações econômicas específicas, especialmente quando os princípios constitucionais indicam que a norma legal deveria ceder ao contexto fático.
O STF terá a oportunidade de:
- Rever a aplicação literal da trava de 30% à luz dos princípios constitucionais;
- Estabelecer balizas para a compensação de prejuízos em situações de encerramento;
- Evitar a tributação de lucros inexistentes, em defesa da coerência do sistema tributário.
Conclusão
A análise da constitucionalidade da limitação de 30% à compensação de prejuízos fiscais em casos de extinção da pessoa jurídica representa um marco para o direito tributário brasileiro. O julgamento do STF poderá corrigir uma distorção que afeta diretamente o planejamento e a segurança jurídica de empresas em reorganização ou encerramento.
Mais do que uma questão de técnica fiscal, está em jogo o respeito ao equilíbrio entre arrecadação e justiça tributária, especialmente em cenários onde o contribuinte já se encontra em posição fragilizada. O resultado poderá redefinir os contornos do planejamento tributário em momentos de descontinuidade e consolidar a proteção de ativos fiscais acumulados de forma legítima.