O Art. 395 da Lei Complementar nº 214, de 2025, estabelece o procedimento a ser adotado pela Receita Federal do Brasil (RFB) quando se constata o recebimento indevido de valores por parte de beneficiários do regime de compensação financeira previsto na Reforma Tributária. Trata-se de um mecanismo de responsabilização e de recomposição dos cofres públicos em caso de falhas, irregularidades ou omissões relacionadas à devolução ou compensação de créditos pagos pela União.
Hipóteses de Constituição do Crédito
A constituição do crédito da União, segundo o caput do artigo, ocorre quando, após o pagamento pela União com base no crédito informado pelo beneficiário:
- constata-se irregularidade na apuração do crédito, ou
- não há devolução integral com os devidos juros de mora no prazo legal estabelecido no § 4º do art. 394, e
- não há autorização para retenção de crédito nos moldes do § 5º do art. 394.
Componentes do Crédito da União
A RFB, mediante notificação de ofício, constituirá o crédito da União composto por três parcelas principais:
- Valor Principal: corresponde ao montante recebido indevidamente e que não foi restituído ou compensado.
- Juros de Mora: calculados com base na Taxa SELIC acumulada mensalmente, desde o mês seguinte ao do recebimento indevido até o mês anterior à notificação.
- Multa de 20%: incidente sobre a soma do valor principal com os juros de mora, representando penalidade pelo descumprimento das obrigações legais.
Prazos e Prescrição
O direito de a RFB constituir o crédito extingue-se em três anos, contados a partir do primeiro dia do exercício seguinte ao da ocorrência do recebimento indevido (§ 1º), observando-se o § 6º do art. 393, que trata de interrupções ou suspensões desse prazo.
Após a constituição, os juros de mora continuam incidindo, sendo acumulados mensalmente e acrescidos de 1% no mês do pagamento (§ 2º).
Efeitos da Notificação
A notificação com ciência do devedor e contendo os elementos legais exigidos constitui título hábil para a inscrição em dívida ativa da União (§ 3º). Aplica-se o rito procedimental da Lei nº 9.784/1999, com as particularidades descritas na LC 214/2025 (§ 4º).
Direito de Defesa e Recursos
O notificado pode interpor recurso no prazo de 30 dias a contar da ciência da notificação (§ 5º). Contudo, o recurso não suspende a exigibilidade do crédito, salvo se houver conexão com o recurso previsto no § 7º do art. 394 e este ainda estiver pendente de julgamento (§ 6º).
Se o contribuinte cumprir tempestivamente a notificação de que trata o § 10 do art. 394, o crédito será cancelado (§ 7º).
Compensação de Ofício
Em caso de crédito não suspenso, a RFB poderá promover compensação de ofício com créditos do contribuinte ainda não pagos, até o limite do valor devido (§ 8º).
Decisão Favorável em Recurso
Se o recurso for julgado procedente total ou parcialmente, o crédito será reduzido ou cancelado, com devolução dos valores compensados, devidamente atualizados (§ 9º).
Destinação dos Valores Arrecadados
A LC 214/2025 também define a destinação específica dos valores arrecadados:
- O valor principal e os juros proporcionais serão destinados:
- ao Fundo previsto no art. 12 da EC 132/2023 até 31 de dezembro de 2032,
- e, após essa data, ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (art. 159-A da CF) (§ 10).
- A multa de 20% e seus respectivos juros de mora proporcionais serão alocados ao FUNDAF – Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (§ 11).
Considerações Finais
O Art. 395 da LC 214/2025 desempenha papel crucial na garantia da integridade financeira da União e na manutenção da segurança jurídica no processo de compensação de benefícios fiscais. Ao disciplinar de forma detalhada os encargos, os prazos e os procedimentos, a norma cria um sistema robusto de controle e responsabilização, ao mesmo tempo em que assegura oportunidades de defesa ao contribuinte.
Ao vincular a arrecadação resultante da fiscalização a fundos estratégicos como o FUNDAF e o Fundo de Desenvolvimento Regional, o dispositivo reafirma o compromisso da reforma com a transparência, eficiência administrativa e justiça federativa.
Este artigo representa mais um pilar do modelo de transição fiscal e compensatória da Reforma Tributária, refletindo o equilíbrio entre rigor fiscal e proteção ao devido processo legal.