A Lei Complementar 214/2025, no conjunto de dispositivos que vai do art. 417 ao art. 427, estabelece um regime jurídico completo e complexo para a apuração, incidência e arrecadação do Imposto Seletivo (IS). Os dispositivos disciplinam a base de cálculo do tributo, os critérios para definição das alíquotas em relação a diferentes bens e serviços, bem como as regras específicas de sujeição passiva, incluindo hipóteses de responsabilidade e isenção.
Exclusões da base de cálculo do Imposto Seletivo
O art. 417 dispõe que não integram a base de cálculo do Imposto Seletivo:
- O montante correspondente à CBS, ao IBS e ao próprio Imposto Seletivo incidentes na operação (inciso I);
- Os descontos incondicionais (inciso II).
Descontos incondicionais são definidos como aqueles que constam do documento fiscal e não dependem de eventos posteriores (§ 1º). De forma semelhante, bonificações que respeitem os mesmos critérios também são excluídas da base de cálculo (§ 2º), com exceção das hipóteses de tributação por alíquota específica, onde a base é expressa em unidades de medida e deve considerar os bens fornecidos como bonificação (§ 3º).
Além disso, até 31 de dezembro de 2032, a base de cálculo do Imposto Seletivo também desconsidera os valores de ICMS e ISS incidentes sobre a operação (§ 4º, incisos I e II).
Abatimento em casos de devolução
Nos termos do art. 418, eventuais devoluções de bens vendidos permitem ao contribuinte deduzir o valor do Imposto Seletivo cobrado na operação correspondente. Esse abatimento pode ser feito no período de apuração em que ocorrer a devolução ou nos períodos subsequentes.
Alíquotas e critérios diferenciados por setor
O Capítulo IV (arts. 419 a 423) trata da fixação das alíquotas do Imposto Seletivo, que serão estabelecidas por lei ordinária. O regime é setorialmente diferenciado, sendo aplicadas regras específicas conforme o tipo de bem.
Veículos (art. 419)
A alíquota aplicável aos veículos será graduada com base em diversos critérios, como:
- Potência e eficiência energética;
- Tecnologias assistivas;
- Pegada de carbono;
- Emissão de dióxido de carbono (do poço à roda);
- Reciclabilidade e densidade tecnológica;
- Realização de etapas fabris no Brasil;
- Categoria do veículo.
Há redução a zero da alíquota para veículos adquiridos por beneficiários de regimes diferenciados previamente reconhecidos pela Receita Federal (art. 420). O benefício está condicionado ao valor do veículo, que não pode exceder R$ 200.000,00, e à observância das disposições aplicáveis ao regime diferenciado, inclusive quanto à alienação e ao prazo mínimo de fruição.
Aeronaves e embarcações (art. 421)
As alíquotas aplicáveis a aeronaves e embarcações também serão definidas por lei ordinária e poderão ser diferenciadas conforme critérios de sustentabilidade ambiental. Veículos de zero emissão ou alta eficiência energético-ambiental poderão ter alíquota zero.
Demais produtos sujeitos ao IS (art. 422)
Para os demais produtos listados no Anexo XVII da LC 214/2025, aplica-se uma combinação de alíquotas ad valorem e específicas. Destaque para:
- Produtos fumígenos: Alíquotas ad valorem e específicas, podendo variar conforme o tipo e categoria.
- Bebidas alcoólicas: As alíquotas específicas consideram o volume e teor alcoólico do produto.
- Bens minerais extraídos: Alíquota máxima de 0,25%.
A progressividade das alíquotas, especialmente para bebidas alcoólicas e produtos fumígenos, será implementada de 2029 a 2033, incorporando gradualmente o diferencial de ICMS praticado. Pequenos produtores poderão ser beneficiados por alíquotas diferenciadas e progressivas conforme volume de produção.
Gás natural (art. 423)
A alíquota do IS será zero para o gás natural utilizado como insumo em processo industrial ou como combustível para transporte, desde que o adquirente declare a destinação correta. Caso o uso seja diverso, o imposto será devido com multa e juros.
Sujeição passiva e responsabilidade pelo pagamento
O Capítulo V (arts. 424 e 425) define os contribuintes e responsáveis pelo Imposto Seletivo:
- Contribuinte: fabricante, importador, arrematante, extrativista ou prestador de serviço (art. 424).
- Responsáveis solidários: transportador, possuidor, detentor e qualquer agente envolvido com mercadorias desacompanhadas de documentação fiscal adequada (art. 425).
No caso de produtos saídos com imunidade para exportação, mas encontrados em situação diversa, o fabricante pode ser responsabilizado solidariamente.
Exportação e responsabilidade da empresa exportadora
O Capítulo VI (arts. 426 e 427) regula a não incidência do IS nas operações de fornecimento com o fim específico de exportação, desde que atendidas as condições estabelecidas no art. 82 da LC 214/2025.
Se o produto não for efetivamente exportado ou o benefício for utilizado indevidamente, a empresa comercial exportadora será responsável pelo recolhimento do imposto, acrescido de multa e juros.
Considerações finais
Os artigos 417 a 427 da LC 214/2025 delineiam com rigor técnico as bases normativas do Imposto Seletivo, estabelecendo um modelo de tributação com forte viés regulatório e ambiental. O detalhamento das alíquotas, a previsão de regimes favorecidos, a imposição de penalidades e a responsabilidade solidária visam assegurar tanto a eficácia arrecadatória quanto a conformidade com princípios de justiça fiscal e sustentabilidade.