As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal promulgaram uma Emenda de grande impacto à Constituição Federal, marcando um divisor de águas no sistema tributário brasileiro. Esta reforma, que abrange diversos artigos da Carta Magna, busca simplificar a complexidade tributária, promover a sustentabilidade e fortalecer a cooperação entre os entes federativos. As principais novidades giram em torno da criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e do Comitê Gestor, além de importantes ajustes em outras áreas.
O Imposto sobre Bens e Serviços (IBS): Um Novo Paradigma
O ponto central da reforma é a instituição do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios (Art. 156-A). Este novo tributo substituirá, em grande parte, impostos como o ICMS e o ISS, com o objetivo de simplificar o sistema e eliminar a cumulatividade.
Características Essenciais do IBS:
- Neutralidade: O IBS é informado pelo princípio da neutralidade, buscando não distorcer as decisões econômicas dos agentes.
- Abrangência: Incidirá sobre operações com bens materiais ou imateriais (incluindo direitos) e serviços, bem como sobre importações.
- Não Cumulatividade: Será não cumulativo, permitindo a compensação do imposto pago nas etapas anteriores da cadeia produtiva, exceto em casos de uso ou consumo pessoal.
- Legislação Única e Alíquotas Próprias: Terá legislação única e uniforme em todo o território nacional, mas cada ente federativo (Estado e Município) fixará sua própria alíquota por lei específica.
- Cobrança no Destino: O imposto será cobrado pelo somatório das alíquotas do Estado e do Município de destino da operação, garantindo que o imposto seja recolhido onde o consumo ocorre.
- Ausência de Incentivos: Não será objeto de concessão de incentivos e benefícios fiscais, ressalvadas as exceções previstas na Constituição, o que visa reduzir a “guerra fiscal”.
- Devolução a Pessoas Físicas: A lei complementar poderá prever a devolução do IBS a pessoas físicas, com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda, especialmente para consumidores de baixa renda em operações de energia elétrica e gás liquefeito de petróleo.
Regimes Específicos e Diferenciados
Apesar da regra geral, a emenda prevê regimes específicos de tributação para setores como combustíveis e lubrificantes, serviços financeiros, bens imóveis, planos de saúde, concursos de prognósticos, sociedades cooperativas, hotelaria, turismo e transporte coletivo de passageiros. Essas exceções buscam adequar a tributação às particularidades de cada segmento.
O Papel do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços
Para gerir o IBS, a Emenda cria o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (Art. 156-B), uma entidade pública sob regime especial, com independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira. Suas competências administrativas serão exercidas de forma integrada por Estados, Distrito Federal e Municípios.
Atribuições Principais do Comitê Gestor:
- Regulamentação e Uniformização: Editar regulamento único e uniformizar a interpretação e aplicação da legislação do imposto.
- Arrecadação e Distribuição: Arrecadar o imposto, efetuar as compensações e distribuir o produto da arrecadação entre os entes federativos.
- Contencioso Administrativo: Decidir o contencioso administrativo do imposto.
- Coordenação da Fiscalização: Coordenar as atividades de fiscalização, lançamento e cobrança, que continuarão a ser realizadas pelas administrações tributárias e procuradorias dos entes federativos.
A participação dos entes federativos na instância máxima de deliberação do Comitê Gestor será paritária, com 27 membros representando os Estados e o Distrito Federal, e 27 membros representando os Municípios e o Distrito Federal, com critérios de eleição que consideram a população e a igualdade de votos entre os municípios. As deliberações exigirão maioria absoluta dos representantes e dos votos que correspondam a mais de 50% da população.
Foco na Sustentabilidade e Redução de Desigualdades
A reforma tributária não se limita apenas à reestruturação de impostos, mas também incorpora importantes diretrizes de sustentabilidade ambiental e redução de desigualdades sociais.
- Incentivos Regionais Sustentáveis (Art. 43, § 4º): A concessão de incentivos regionais deverá, sempre que possível, considerar critérios de sustentabilidade ambiental e redução de emissões de carbono.
- Imposto Seletivo (Art. 153, VIII): É instituído um imposto federal sobre bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Este imposto incidirá uma única vez e terá alíquotas fixadas em lei ordinária, podendo ser específicas ou ad valorem.
- ITCMD e Relevância Pública (Art. 155, § 1º, VII): As transmissões e doações para instituições sem fins lucrativos com finalidade de relevância pública e social (incluindo organizações assistenciais e beneficentes de entidades religiosas e institutos científicos e tecnológicos) não incidirão Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).
- IPVA e Impacto Ambiental (Art. 155, § 6º, II): O Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) poderá ter alíquotas diferenciadas em função do tipo, valor, utilização e impacto ambiental.
- Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (Art. 159-A): Fica instituído um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, com o objetivo de reduzir as desigualdades regionais e sociais. A aplicação dos recursos deste fundo pelos Estados e Distrito Federal priorizará projetos com ações de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono.
- Biocombustíveis e Hidrogênio de Baixa Emissão (Art. 225, § 1º, VIII): A Constituição passa a prever um regime fiscal favorecido para biocombustíveis e hidrogênio de baixa emissão de carbono, garantindo-lhes tributação inferior aos combustíveis fósseis.
Outras Alterações Relevantes
Além dos pontos já destacados, a Emenda Constitucional traz outras modificações significativas:
- Convocação de Autoridades (Art. 50): A Câmara dos Deputados e o Senado Federal, ou suas Comissões, poderão convocar o Presidente do Comitê Gestor do IBS para prestar informações.
- Competência do STJ (Art. 105, I, “j”): O Superior Tribunal de Justiça (STJ) passará a julgar conflitos entre entes federativos, ou entre estes e o Comitê Gestor do IBS, relacionados aos novos tributos.
- Princípios Tributários (Art. 145, §§ 3º e 4º): O Sistema Tributário Nacional deverá observar os princípios da simplicidade, transparência, justiça tributária, cooperação e defesa do meio ambiente, buscando atenuar efeitos regressivos.
- Tratamento Tributário a Cooperativas (Art. 146, III, “c”): As sociedades cooperativas terão adequado tratamento tributário em relação ao IBS e à nova contribuição social.
- CIP (Art. 149-A): Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição para o custeio, expansão e melhoria do serviço de iluminação pública e de sistemas de monitoramento para segurança.
- Imunidades (Art. 150, VI, “b” e § 2º): A imunidade tributária para entidades religiosas e templos de qualquer culto é estendida às suas organizações assistenciais e beneficentes. A vedação do inciso VI, “a”, é estensiva às autarquias, fundações e empresa pública prestadora de serviço postal.
- Desvinculação de Receitas (Art. 76-A e 76-B do ADCT): Estados, Distrito Federal e Municípios terão 30% de suas receitas desvinculadas de órgão, fundo ou despesa até 31 de dezembro de 2032, o que confere maior flexibilidade orçamentária.
- Manutenção da Zona Franca de Manaus (Art. 92-B do ADCT): As leis que instituírem o IBS e a nova contribuição social deverão estabelecer mecanismos para manter o diferencial competitivo assegurado à Zona Franca de Manaus e às áreas de livre comércio. Será criado um Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas.
A Emenda Constitucional representa um passo significativo na reforma tributária brasileira, com a promessa de um sistema mais simples, transparente e justo, alinhado com as preocupações ambientais e sociais. Sua implementação, no entanto, dependerá da regulamentação por meio de leis complementares e da efetiva atuação do Comitê Gestor do IBS.
Você acredita que essas mudanças trarão a simplificação e a justiça tributária tão esperadas?