A destinação de mercadorias no ambiente empresarial é um ponto crucial para a correta aplicação da legislação tributária. Um tema que frequentemente gera dúvidas é a venda de materiais de uso e consumo que, por alguma razão, deixam de cumprir sua finalidade original dentro da empresa. Este artigo busca esclarecer os aspectos tributários relacionados à comercialização desses itens, com foco na incidência do ICMS, baseando-se na legislação vigente e em interpretações fiscais.
O Que Caracteriza Material de Uso e Consumo?
Para entender a tributação da venda, é fundamental primeiro definir o que são materiais de uso e consumo. De acordo com o artigo 66, inciso V do RICMS/2000, são consideradas mercadorias de uso ou consumo aquelas que:
- Não são utilizadas na comercialização;
- Não são empregadas para integração no produto final;
- Não são consumidas no respectivo processo de industrialização ou produção rural;
- Não são utilizadas na prestação de serviço sujeita ao imposto.
Em resumo, são bens adquiridos para a própria operação da empresa, sem a intenção de revenda, transformação ou incorporação em novos produtos. Exemplos comuns incluem materiais de escritório, peças de reposição para máquinas administrativas, produtos de limpeza, entre outros.
A Mudança de Destinação e a Incidência do ICMS
A complexidade surge quando um material originalmente adquirido para uso e consumo tem sua finalidade alterada e é comercializado. Nesses casos, a legislação é clara: a venda de uso e consumo passa a ser tributada pelo ICMS.
A Resposta à Consulta Tributária 21930/2020, de 30 de julho de 2020, reforça esse entendimento. A ementa da consulta é bastante elucidativa: “ICMS – Comercialização de mercadoria originalmente adquirida para uso e consumo de contribuinte do imposto estadual.”
Essa consulta confirma que, na hipótese de a mercadoria originalmente adquirida para uso e consumo ser comercializada, ela ficará sujeita à tributação do ICMS. Isso significa que, ao realizar a venda, a empresa deverá emitir nota fiscal com o destaque do imposto.
Qual CFOP Utilizar na Venda de Uso e Consumo?
Para a correta emissão da nota fiscal, a Resposta à Consulta Tributária 21930/2020 indica a utilização dos CFOPs 5.102 (vendas de mercadorias adquiridas ou recebidas de terceiros) ou 6.102 (venda de mercadoria adquirida ou recebida de terceiros, remetida a outra UF). Essa classificação fiscal reflete a nova destinação da mercadoria como item de venda.
Recuperação do Crédito de ICMS: Um Direito do Contribuinte
Um ponto de extrema relevância para as empresas é a possibilidade de recuperar o crédito do ICMS que não foi aproveitado no momento da entrada da mercadoria. O artigo 66, § 3º, do RICMS/2000 é a base para essa permissão.
Quando uma empresa adquire um material para uso e consumo, geralmente não se apropria do crédito de ICMS referente a essa compra, pois a mercadoria não será objeto de comercialização ou industrialização posterior. No entanto, se essa destinação for alterada e o material for vendido, a regra muda.
A mesma Resposta à Consulta Tributária 21930/2020 é enfática ao afirmar: “Por consequência, poderá o contribuinte recuperar o crédito do imposto não efetuado anteriormente por ocasião de sua entrada (artigo 66, § 3º, do RICMS/2000).”
Momento da Apropriação do Crédito
É crucial entender o timing para a apropriação desse crédito. O imposto que deixou de ser aproveitado por ocasião da entrada do material de uso e consumo poderá ser apropriado no momento em que se verificar a mudança de destinação, ou seja, no momento em que a mercadoria originalmente adquirida para uso e consumo for comercializada.
Isso evita que a empresa seja duplamente penalizada – primeiro por não se creditar na entrada e, depois, por ter que tributar a saída – garantindo a não cumulatividade do imposto.
Conclusão
A venda de materiais originalmente destinados ao uso e consumo é uma operação que, embora não seja a principal atividade de muitas empresas, exige atenção à legislação tributária. A incidência do ICMS nessa modalidade de venda, com a utilização dos CFOPs 5.102/6.102, e a possibilidade de recuperação do crédito fiscal anteriormente não aproveitado, são pontos chave para a conformidade e otimização fiscal.
É fundamental que as empresas mantenham um controle rigoroso sobre a destinação de suas mercadorias e, em caso de mudança de finalidade, ajam de acordo com as determinações legais para evitar passivos fiscais e aproveitar os benefícios da legislação. Em caso de dúvidas específicas ou operações complexas, a consulta a um especialista tributário é sempre a melhor prática.