Conserto de Mercadorias: Desvendando as Implicações Fiscais e Operacionais

FISCAL E TRIBUTARIO

A remessa de mercadorias para conserto é uma rotina comum para empresas que precisam manter seus equipamentos e maquinários em pleno funcionamento. Seja para reparar uma falha, realizar manutenção preventiva ou restaurar um bem, essa operação envolve uma série de procedimentos fiscais específicos que merecem atenção para evitar inconsistências e garantir a conformidade tributária.

O tratamento fiscal da operação de conserto se diferencia fundamentalmente da industrialização, e essa distinção é crucial para a correta aplicação do ICMS, IPI, PIS/COFINS e ISSQN. A principal diferença reside na destinação da mercadoria após o serviço: se ela retorna ao usuário final para uso, configura conserto; se é incorporada a um novo produto ou destinada à comercialização, pode ser caracterizada como industrialização.

Conserto vs. Industrialização: A Chave da Tributação

A natureza da operação (conserto ou industrialização) define qual imposto incide sobre o serviço e as partes aplicadas.

  • Conserto de equipamentos para usuário final (não destinados à comercialização ou industrialização): Está sujeito à incidência do ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza), conforme o subitem 14.01 da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003. Este subitem abrange “Lubrificação, limpeza, lustração, revisão, carga e recarga, conserto, restauração, blindagem, manutenção e conservação de máquinas, veículos, aparelhos, equipamentos, motores, elevadores ou de qualquer objeto (exceto peças e partes empregadas, que ficam sujeitas ao ICMS)”.
  • Conserto encomendado por contribuinte do imposto, com o produto consertado destinado à posterior comercialização: Neste caso, a operação é caracterizada como industrialização e está sujeita à incidência do ICMS e IPI.

ICMS na Operação de Conserto

Para o ICMS, a regra geral para a remessa e o retorno de bens para conserto por usuário final é a não incidência. O Artigo 7º, incisos IX e X, do RICMS/2000 estabelece essa não incidência para as saídas de bens e equipamentos de uso do contribuinte para conserto ou reparo, bem como para o retorno desses bens após o serviço.

É fundamental que o bem retorne ao estabelecimento de origem para que a não incidência seja configurada. Não há, na legislação paulista, um prazo limite para o retorno desses bens (Resposta à Consulta 23908/2021).

Importante: Embora a prestação do serviço de conserto em si esteja sujeita ao ISSQN, o fornecimento de peças e partes aplicadas na prestação do serviço de conserto incide ICMS, mesmo que o serviço esteja sujeito ao ISS (Resposta à Consulta 25174M1/2022).

IPI na Operação de Conserto

O IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) incide sobre a saída de produtos resultantes de uma operação de industrialização. No contexto do conserto, a legislação considera que o conserto, a restauração e o recondicionamento de produtos usados, quando realizados por encomenda de terceiros que não comercializam esses produtos, não configuram industrialização.

Dessa forma, na remessa ou retorno de bens para conserto, não há incidência de IPI. No entanto, na venda do material empregado na prestação do serviço de conserto (as peças e partes substituídas, por exemplo), haverá incidência do IPI, se for o caso (Solução de Consulta COSIT Nº 221/2018).

PIS e COFINS na Operação de Conserto

As contribuições para o PIS/PASEP e a COFINS são calculadas com base no Faturamento/Receita Bruta da empresa. Como a remessa ou o retorno de bens para conserto não geram “Faturamento/Receita”, não haverá incidência de PIS e COFINS sobre essas operações, seja no regime cumulativo (Lei 9.718/98) ou não cumulativo (Lei 10.833/03 e Lei 10.637/02).

Contudo, a prestação do serviço de conserto e a venda dos materiais empregados no serviço geram “Faturamento/Receita” e, portanto, estarão sujeitas à incidência de PIS e COFINS.

Simples Nacional

Para as empresas optantes pelo Simples Nacional, o cálculo do valor devido mensalmente é baseado na receita bruta, que é o produto da venda de bens e serviços (Artigos 3º e 18 da Lei Complementar nº 123/2006).

Assim como para PIS e COFINS, a remessa ou o retorno de bens para conserto não geram “Faturamento/Receita” e, portanto, não haverá tributação no Simples Nacional sobre essas movimentações. Entretanto, a prestação do serviço de conserto e a venda do material empregado no serviço geram “Faturamento/Receita” e serão normalmente tributadas no Simples Nacional.

Documentos Fiscais Envolvidos na Operação de Conserto

A operação de conserto exige a emissão de diferentes documentos fiscais para cada etapa:

  • NF-e de Remessa para Conserto: Emitida pelo proprietário do bem para enviá-lo ao estabelecimento que fará o conserto.
    • CFOP: 5.915 (operações internas) ou 6.915 (operações interestaduais).
    • Natureza da Operação: Remessa de mercadoria ou bem para conserto ou reparo.
    • CST ICMS: 41 – Não tributada.
    • CST IPI: 53 – Não tributada.
    • CST PIS/COFINS: 08 – Operação sem Incidência da Contribuição.
    • Dados Adicionais: “Não incidência do ICMS conforme o disposto no art. 7º, IX, do RICMS/SP” e “não incidência do IPI conforme inciso XI do Art 5º do Decreto 7.212/2010”.
  • NF-e de Retorno de Conserto: Emitida pelo prestador de serviço de conserto para devolver o bem após o reparo.
    • CFOP: 5.916 (operações internas) ou 6.916 (operações interestaduais).
    • Natureza da Operação: Retorno de mercadoria ou bem recebido para conserto ou reparo.
    • CST ICMS: 41 – Não tributada.
    • CST IPI: 53 – Não tributada.
    • CST PIS/COFINS: 08 – Operação sem Incidência da Contribuição.
    • Dados Adicionais: “Não incidência do ICMS conforme o disposto no art. 7º, X, do RICMS/SP”, “não incidência do IPI conforme inciso XI do Art 5º do Decreto 7.212/2010” e informar os dados da NF-e de remessa referenciada.
    • A NF-e de retorno é emitida após uma NF-e de remessa, enquanto a NF-e de devolução é emitida após uma NF-e de venda ou compra.
  • NFS-e de Serviços de Conserto: Emitida pelo prestador do serviço para documentar a prestação do serviço de conserto.
  • NF-e de Venda: Emitida pelo prestador do serviço para documentar a venda do material empregado (partes e peças substituídas), se for o caso.

Outras Situações Relevantes

  • Envio de Partes e Peças Pelo Proprietário do Bem: Se o proprietário do equipamento adquire as partes e peças e as envia junto com o bem para o conserto, a remessa e o retorno dessas partes e peças também são acobertados pela não incidência do ICMS (Artigo 7º, incisos IX e X, do RICMS/2000). Utiliza-se o CFOP 5.915/6.915 para a remessa e 5.916/6.916 para o retorno. As partes e peças adquiridas e posteriormente incorporadas ao ativo imobilizado devem ter sua baixa efetuada nos registros contábeis por meio de documentação idônea, não havendo emissão de Nota Fiscal para essa baixa (Resposta à Consulta 25293/2022).
  • Remessa de Materiais por Não-Contribuinte do Imposto: Se o remetente do bem para conserto não for contribuinte do ICMS (ou seja, não pratica operações de circulação de mercadorias e não é obrigado a inscrição estadual), ele não precisa emitir nota fiscal. Nesses casos, pode utilizar um documento interno para a movimentação do bem, indicando que se destina a conserto e retornará. O estabelecimento que recebe o bem (prestador do serviço) deverá emitir a correspondente Nota Fiscal de Entrada (Artigo 136 do RICMS/SP), conforme Respostas à Consulta nº 499/1987 e 131/2006.
  • Remessa de Veículo do Ativo Imobilizado para Conserto: Um estabelecimento contribuinte do ICMS que remete um veículo de seu ativo imobilizado para conserto deve emitir NF-e sem destaque do imposto, sob a não incidência (CFOP 5.915/6.915, Artigo 7º, inciso IX, do RICMS/2000). Ao receber o bem de volta, deverá escriturar a NF-e de retorno com CFOP 1.916/2.916, sem direito a crédito do imposto (Resposta à Consulta 25219/2022).
  • Operações Interestaduais: O Convênio AE-15/74 suspende o ICMS nas remessas interestaduais de produtos para conserto, reparo ou industrialização, desde que retornem ao estabelecimento de origem em 180 dias (prorrogáveis). Contudo, para remessas de bens para conserto, a não incidência do ICMS já é expressamente prevista em lei, tornando a aplicação do Convênio AE-15/74 (que trata de industrialização) desnecessária (Resposta à Consulta 22297M1/2021).
  • Conserto de Caminhão em Outro Estado (Partes e Peças): A aquisição e aplicação de peças em caminhão de contribuinte paulista, efetuadas em outro estado, são consideradas operações internas daquele estado. Não há recolhimento de DIFAL (Diferencial de Alíquotas) para São Paulo, nem aproveitamento de crédito de ICMS do outro estado. As entradas das peças devem ser escrituradas com CFOP 1.556 (ou 1.407 para ST) (Resposta à Consulta 17641/2018).

A correta aplicação da legislação nas operações de conserto é crucial para a saúde fiscal das empresas. Estar atento aos CFOPs, CSTs e à natureza da operação evita problemas com o fisco e garante a regularidade das movimentações.

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