A reforma tributária brasileira, ao instituir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), introduz mecanismos inovadores de desoneração e regimes específicos para setores cruciais da economia. Essas medidas visam tanto incentivar práticas sustentáveis e a economia circular quanto adaptar a tributação a realidades complexas como a dos combustíveis e serviços financeiros.
CAPÍTULO IX – DOS CRÉDITOS PRESUMIDOS NA AQUISIÇÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS DE COLETORES INCENTIVADOS
O Art. 170 estabelece um mecanismo fundamental para a economia circular e a gestão de resíduos: a possibilidade de contribuintes do IBS e da CBS, sujeitos ao regime regular, apropriarem créditos presumidos sobre as aquisições de resíduos sólidos de coletores incentivados para utilização em processo de destinação final ambientalmente adequada.
Para fins deste benefício, a Lei Complementar define:
- Resíduos Sólidos: Materiais descartados de atividades humanas, sólidos ou semissólidos, gases em recipientes e líquidos com lançamento inviável em redes públicas, que são destinados à reutilização, reciclagem, compostagem, recuperação ou outras destinações ambientalmente adequadas.
- Coletores Incentivados: Incluem pessoas físicas que executam coleta ou triagem e venda de resíduos sólidos para contribuintes que lhes darão destinação ambientalmente adequada; associações ou cooperativas de pessoas físicas que realizam exclusivamente essa atividade; e associações ou cooperativas que congregam exclusivamente essas últimas.
- Destinação Final Ambientalmente Adequada: Compreende reutilização, reciclagem, compostagem, recuperação e outras destinações admitidas pelos órgãos competentes, incluindo a disposição final.
Os créditos presumidos de IBS e CBS só poderão ser utilizados para deduzir o valor devido dos respectivos tributos. Os percentuais de cálculo são escalonados para o IBS (progressivamente de 1,3% em 2029 até 13% a partir de 2033) e fixados em 7% para a CBS. O valor da aquisição deve ser registrado em documento fiscal reconhecido pela administração tributária.
É importante notar que o benefício não se aplica à aquisição de certos resíduos, como agrotóxicos, medicamentos domiciliares, pilhas, baterias, pneus, produtos eletroeletrônicos e seus componentes de uso doméstico, óleos lubrificantes (com exceção de óleo usado ou contaminado adquirido por rerrefinador ou coletor autorizado), lâmpadas fluorescentes e sucata de cobre. Essa exclusão visa evitar distorções ou focar o incentivo em resíduos de maior interesse ambiental.
CAPÍTULO X – DOS BENS MÓVEIS USADOS ADQUIRIDOS DE PESSOA FÍSICA NÃO CONTRIBUINTE PARA REVENDA
O Art. 171 estabelece um regime especial para o comércio de bens móveis usados. Contribuintes do IBS e da CBS no regime regular que adquirirem bens móveis usados de pessoa física não contribuinte (ou MEI) para revenda poderão apropriar créditos presumidos.
- Os créditos presumidos de IBS serão calculados com base na soma das alíquotas de IBS (municipal e estadual) aplicáveis às operações com o bem móvel, variando conforme a data da aquisição ou revenda.
- Os créditos presumidos de CBS seguirão a alíquota da CBS aplicável às operações com o bem móvel, também com base na data da aquisição ou revenda.
Esses créditos somente poderão ser utilizados para deduzir o IBS e a CBS devidos pelo contribuinte no momento da revenda do bem usado. Um bem móvel usado é aquele que já foi objeto de fornecimento para consumo final por uma pessoa física e que retorna à comercialização.
Essa disposição busca desonerar a cadeia de revenda de bens usados, incentivando a reutilização e o comércio formal de produtos que já foram tributados em sua primeira circulação.
TÍTULO V – DOS REGIMES ESPECÍFICOS DO IBS E DA CBS
CAPÍTULO I – DOS COMBUSTÍVEIS
A tributação dos combustíveis pelo IBS e CBS seguirá um regime monofásico, ou seja, a incidência ocorrerá uma única vez na cadeia, independentemente da finalidade do produto (Art. 172). Os combustíveis abrangidos incluem gasolina, etanol anidro e hidratado, óleo diesel, biodiesel, GLP, querosene de aviação, gás natural, biometano, entre outros.
- Base de Cálculo (Art. 173): Será a quantidade de combustível objeto da operação (alíquota ad rem, por unidade de medida), e não o valor da operação. O valor do IBS e da CBS será a multiplicação da base de cálculo pela alíquota específica.
- Alíquotas (Art. 174): As alíquotas serão uniformes em todo o território nacional, específicas por unidade de medida e diferenciadas por produto. Serão reajustadas anualmente e divulgadas pelo Comitê Gestor do IBS (para o IBS) e pelo Poder Executivo da União (para a CBS). A Lei Complementar estabelece metodologia para a fixação das alíquotas iniciais da CBS (em 2027) e do IBS (a partir de 2029), considerando a carga tributária dos impostos federais, estaduais e municipais extintos.
- Biocombustíveis e Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Art. 175): Fica assegurada a esses combustíveis tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis, de modo a garantir diferencial competitivo. As alíquotas não poderão ser inferiores a 40% e não poderão exceder 90% das alíquotas dos respectivos fósseis comparados. Essa redução considera equivalência energética, preços de mercado e potencial de redução de impactos ambientais. Há um diferencial mínimo assegurado para o etanol hidratado combustível em relação à gasolina C.
- Sujeição Passiva (Art. 176): São contribuintes desse regime o produtor nacional de biocombustíveis, refinarias, CPQ, UPGN, formuladores, importadores e outros agentes autorizados. Há previsão de responsabilidade solidária do adquirente nas operações diretas com esses contribuintes, exceto em caso de split payment.
- Créditos na Aquisição de Combustíveis (Art. 180): É vedada a apropriação de créditos na aquisição de combustíveis sujeitos à incidência única do IBS e da CBS quando destinados à distribuição, comercialização ou revenda. Contudo, em outras situações, o contribuinte no regime regular poderá apropriar créditos, e os exportadores de combustíveis têm assegurado o direito a esses créditos.
Esse regime monofásico para combustíveis visa simplificar a tributação, garantir a neutralidade na cadeia e permitir o controle de preços por meio de alíquotas ad rem, facilitando também a diferenciação tributária para produtos mais sustentáveis.
CAPÍTULO II – DOS SERVIÇOS FINANCEIROS
Os serviços financeiros ficam sujeitos a um regime específico de incidência do IBS e da CBS (Art. 181). O Art. 182 define quais operações são consideradas serviços financeiros, abrangendo uma vasta gama de atividades, como:
- Operações de crédito (empréstimos, financiamentos, descontos de títulos).
- Operações de câmbio.
- Operações com títulos e valores mobiliários (negociação, custódia, corretagem).
- Securitização e faturização (factoring).
- Arrendamento mercantil (leasing).
- Administração de consórcio e gestão de recursos/fundos de investimento.
- Arranjos de pagamento e atividades de mercados organizados.
- Operações de seguros, resseguros, previdência privada e capitalização.
- Serviços de ativos virtuais.
O regime específico aplica-se a pessoas físicas e jurídicas supervisionadas pelos órgãos do Sistema Financeiro Nacional (bancos, cooperativas de crédito, corretoras, seguradoras, etc.), e também a outros fornecedores que prestem serviços financeiros de forma habitual ou profissional (Art. 183).
- Exceções ao Regime Específico (Art. 184): Serviços bancários remunerados por tarifas e comissões (abertura/manutenção de contas, saques, transferências) e serviços de manutenção de conta de pagamento pré-paga/pós-paga de instituições de pagamento ficam sujeitos às normas gerais do IBS e CBS. Outros serviços prestados por esses fornecedores que não sejam definidos como serviços financeiros também seguem as regras gerais.
- Base de Cálculo e Deduções (Art. 185, 186, 187): A base de cálculo será composta das receitas das operações financeiras, com deduções específicas como despesas financeiras de captação, despesas de câmbio, perdas em operações com títulos e valores mobiliários e perdas em recebimento de créditos, desde que autorizadas por órgão governamental e dentro dos limites operacionais. Receitas de reversão de provisões e recuperação de créditos também compõem a base.
- Alíquotas (Art. 189): As alíquotas do IBS e da CBS para serviços financeiros serão fixadas de forma a serem nacionalmente uniformes. No período de 2027 a 2033, seguirão regras de transição específicas, e a partir de 2034, serão aquelas fixadas para 2033, mantendo a proporção entre as alíquotas de referência.
- Créditos (Art. 190): Os créditos de IBS e CBS na aquisição de serviços financeiros serão apropriados com base em informações prestadas pelos fornecedores e sujeitos às regras gerais de créditos.
- Obrigações Acessórias (Art. 191): As entidades devem prestar informações sobre as operações realizadas.
O regime específico para serviços financeiros reconhece a complexidade do setor, buscando um tratamento tributário que se adeque à sua natureza e evite a cumulatividade indevida, ao mesmo tempo em que mantém a arrecadação e a uniformidade das alíquotas.
Qual desses regimes, o de resíduos sólidos ou o de combustíveis, você acredita que terá o impacto mais direto e visível na sustentabilidade ambiental no Brasil?