A complexidade do sistema tributário brasileiro tem sido um desafio constante para empresas e cidadãos. Com a reforma tributária em andamento, a simplificação e a criação de regimes específicos para setores estratégicos tornam-se pontos cruciais. Este artigo explora as nuances da incidência do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) em setores como hotelaria, parques de diversão, transporte coletivo de passageiros, agências de turismo e a Sociedade Anônima do Futebol (SAF), conforme delineado em uma recente Lei Complementar.
Setor de Hotelaria, Parques de Diversão e Parques Temáticos: Um Olhar Detalhado
A Seção II da Lei Complementar estabelece um regime específico de incidência do IBS e da CBS para o setor de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos. O objetivo é criar um ambiente tributário mais previsível e vantajoso para essas atividades essenciais para o turismo e o entretenimento.
O que é considerado serviço de hotelaria? O Art. 278 define claramente o serviço de hotelaria como o fornecimento de alojamento temporário, incluindo outros serviços oferecidos na hospedagem. Isso abrange tanto unidades de uso exclusivo em estabelecimentos hoteleiros quanto imóveis residenciais mobiliados, mesmo que de uso não exclusivo. Uma inovação importante é que a divisão do empreendimento em unidades hoteleiras autônomas não descaracteriza o serviço de hotelaria, desde que a finalidade seja exclusivamente de hospedagem.
Parques de Diversão e Temáticos: As Definições Legais Para evitar ambiguidades, o Art. 279 distingue:
- Parque de diversão: Estabelecimento ou empreendimento (permanente ou itinerante) com foco na disponibilização de atrações para entretenimento presencial.
- Parque temático: Um parque de diversão que se inspira em temas específicos, como história, cultura, etnografia, ou meio ambiente.
Base de Cálculo e Redução de Alíquotas A base de cálculo para o IBS e a CBS será o valor da operação com esses serviços (Art. 280). Uma das principais vantagens desse regime é a redução de 40% nas alíquotas do IBS e da CBS para as operações desses setores (Art. 281).
Créditos Tributários: Onde Entram? A lei é clara quanto à apropriação de créditos:
- Permitida: Fornecedores de serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos poderão apropriar e utilizar créditos de IBS e CBS nas aquisições de bens e serviços (Art. 282).
- Vedada: Os adquirentes desses serviços (os hóspedes ou visitantes, por exemplo) não poderão apropriar créditos de IBS e CBS (Art. 283).
Transporte Coletivo de Passageiros: Incentivo à Mobilidade
A Seção III aborda o regime específico para o transporte coletivo de passageiros, um setor vital para a economia e a sociedade. Ela engloba diversas modalidades: rodoviário intermunicipal e interestadual, ferroviário, hidroviário e aéreo regional.
Definições Chave para o Transporte A lei especifica o que se considera:
- Transporte coletivo de passageiros: Deslocamento de pessoas acessível a toda a população mediante cobrança individualizada.
- Transporte intermunicipal/interestadual: Deslocamento entre municípios de um mesmo estado/DF ou entre estados/DF.
- Transporte aéreo regional: Aviação doméstica com voos originados ou destinados a áreas específicas, como a Amazônia Legal ou centros regionais definidos pelo IBGE.
Créditos e Reduções de Alíquotas por Modalidade A regra geral permite a apropriação e utilização de créditos de IBS e CBS para os adquirentes dos serviços de transporte (Art. 284, § 2º). No entanto, há especificidades:
- Transporte Urbano, Semiurbano e Metropolitano (Ferroviário e Hidroviário): As alíquotas do IBS e da CBS são reduzidas em 100% (isenção, na prática) (Art. 285, I). Contudo, há vedação à apropriação de créditos tanto pelo fornecedor quanto pelo adquirente nesses casos (Art. 285, II e III). Esse benefício visa incentivar o transporte público de massa.
- Transporte Rodoviário, Ferroviário e Hidroviário Intermunicipal e Interestadual: Para esses serviços, as alíquotas de IBS e CBS são reduzidas em 40% (Art. 286). Os fornecedores desses serviços podem apropriar créditos de IBS e CBS nas aquisições de bens e serviços.
- Transporte Aéreo Regional: As alíquotas do IBS e da CBS são reduzidas em 40% sobre o fornecimento desse serviço, seja de passageiros ou de carga (Art. 287).
Importante ressaltar que o regime específico para transporte público coletivo (incisos I a III do Art. 284) se aplica apenas àquele sob regime de autorização, permissão ou concessão pública.
Agências de Turismo: Nova Base de Cálculo e Alíquotas
A Seção IV foca no regime específico para os serviços de agências de turismo, um elo fundamental na cadeia do turismo.
Base de Cálculo Inovadora Na intermediação de serviços turísticos, a base de cálculo do IBS e da CBS será o valor da operação deduzido dos valores repassados aos fornecedores intermediados pela agência (Art. 289, I). Isso significa que a tributação incidirá sobre a margem da agência, e não sobre o valor total do pacote. Essa base de cálculo inclui o valor total cobrado do usuário, somado à margem de agregação da agência e outros acréscimos, bem como comissões e incentivos pagos por terceiros.
Alíquotas e Créditos A alíquota aplicável será a mesma dos serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos (Art. 289, II), ou seja, com a redução de 40%.
Em relação aos créditos:
- Adquirentes: Podem apropriar créditos de IBS e CBS relativos ao serviço de intermediação da agência (Art. 290).
- Agências: Podem apropriar créditos de IBS e CBS nas aquisições de bens e serviços, mas não sobre os valores que foram deduzidos da base de cálculo (Art. 291).
Sociedade Anônima do Futebol (SAF): Um Regime Específico para o Esporte
O Capítulo VIII introduz um regime específico para as operações com bens e serviços realizadas por Sociedade Anônima do Futebol (SAF). Este regime visa aprimorar a gestão financeira dos clubes de futebol.
Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF) A SAF será sujeita ao TEF, que consiste no recolhimento mensal e unificado de diversos impostos e contribuições, apurados pelo regime de caixa. Isso inclui IRPJ, CSLL, contribuições previdenciárias, CBS e IBS (Art. 293, § 1º).
A base de cálculo para esse pagamento mensal e unificado é a totalidade das receitas recebidas no mês, incluindo prêmios, programas de sócio-torcedor, cessão de direitos desportivos de atletas e direitos de imagem (Art. 293, § 3º).
Alíquotas do TEF As alíquotas para o pagamento unificado são:
- 4% para os tributos federais unificados (IRPJ, CSLL, Contribuições Previdenciárias).
- 1,5% para a CBS.
- 3% para o IBS (sendo 1,5% estadual e 1,5% municipal).
Créditos e Período de Transição A SAF só poderá apropriar e utilizar créditos de IBS e CBS em relação às aquisições de direitos desportivos de atletas (Art. 293, § 5º). Por outro lado, fica vedada a apropriação de créditos de IBS e CBS para os adquirentes de bens e serviços da SAF, exceto na aquisição de direitos desportivos de atletas (Art. 293, § 6º).
Há um período de transição para as alíquotas do TEF, de 1º de janeiro de 2027 a 31 de dezembro de 2032, com alíquotas de CBS e IBS escalonadas gradualmente até atingirem os percentuais integrais a partir de 2033 (Art. 294).
A importação e a exportação de direitos desportivos de atletas também recebem tratamento específico, visando clareza na incidência do IBS e da CBS (Arts. 295 e 296).
Missões Diplomáticas e Organismos Internacionais: Disposições Específicas
O Capítulo IX trata das operações com bens e serviços alcançadas por tratados ou convenções internacionais, incluindo as de missões diplomáticas, repartições consulares e organismos internacionais. Esses valores de IBS e CBS pagos podem ser reembolsados, mediante aprovação do Ministério das Relações Exteriores e verificação da reciprocidade tributária (Art. 298). A aplicação das normas será regulamentada por ato conjunto.
Considerações Finais
A criação desses regimes específicos para hotelaria, parques, transporte coletivo, agências de turismo e SAFs demonstra o esforço em adequar a tributação às particularidades de cada setor. As reduções de alíquotas e as definições claras sobre a base de cálculo e apropriação de créditos buscam estimular o desenvolvimento dessas áreas, promover a competitividade e garantir maior previsibilidade jurídica.
É crucial que os agentes envolvidos em cada um desses setores estejam atentos às novas disposições para garantir a correta aplicação das normas e maximizar os benefícios oferecidos pela reforma tributária.