A gestão de um negócio envolve diversas tarefas, desde a venda de produtos ou serviços até o relacionamento com clientes e fornecedores. No entanto, uma das atividades mais vitais – e muitas vezes subestimada – é a escrituração contábil. Longe de ser apenas uma obrigação legal, a escrituração correta é a espinha dorsal da saúde financeira e do controle gerencial de qualquer empresa.
Mas o que exatamente é a escrituração contábil e como garantir que ela seja feita da maneira certa? Este artigo irá guiá-lo por um passo a passo essencial para registrar corretamente as movimentações financeiras do seu negócio.
O Que é Escrituração Contábil?
A escrituração contábil é o registro sistemático e cronológico de todos os fatos que ocorrem em uma empresa e que afetam seu patrimônio (bens, direitos e obrigações). Isso inclui vendas, compras, pagamentos, recebimentos, investimentos, despesas e qualquer outra transação que altere a situação financeira ou patrimonial do negócio.
O objetivo principal é fornecer uma visão clara e precisa da realidade econômica e financeira da empresa em um determinado período, servindo como base para a elaboração das demonstrações financeiras e para o cumprimento das obrigações fiscais.
Por Que a Escrituração Correta é Fundamental?
Uma escrituração bem-feita vai muito além de cumprir a lei. Ela é crucial por diversos motivos:
- Obrigatoriedade Legal e Fiscal: A legislação brasileira exige que a maioria das empresas mantenha uma escrituração contábil regular. Ela é a base para o cálculo e recolhimento de tributos e para a entrega de diversas declarações ao Fisco.
- Tomada de Decisão Estratégica: Dados contábeis precisos permitem que gestores analisem o desempenho da empresa, identifiquem pontos fortes e fracos, avaliem a lucratividade de produtos/serviços e tomem decisões informadas sobre investimentos, cortes de custos, etc.
- Acesso a Crédito e Investimentos: Instituições financeiras e potenciais investidores utilizam as demonstrações contábeis para avaliar a saúde financeira e a viabilidade do negócio antes de conceder crédito ou fazer aportes.
- Comprovação em Auditorias e Fiscalizações: Em caso de auditorias internas/externas ou fiscalizações pelos órgãos competentes, a escrituração serve como prova e rastreabilidade das operações.
- Conhecimento Real do Patrimônio: Permite saber exatamente o que a empresa possui (ativos), o que deve (passivos) e qual o seu patrimônio líquido em um determinado momento.
Os Princípios Fundamentais: Método das Partidas Dobradas
A base da escrituração contábil moderna é o Método das Partidas Dobradas. Essencialmente, ele dita que para todo débito (lado devedor de uma conta), há um crédito (lado credor) de igual valor correspondente em uma ou mais outras contas. Isso garante que o sistema contábil permaneça sempre em equilíbrio.
Compreender as contas contábeis (Ativo, Passivo, Patrimônio Líquido, Receitas, Despesas) e como os débitos e créditos as afetam (ex: débito aumenta contas do Ativo e Despesas; crédito aumenta contas do Passivo, Patrimônio Líquido e Receitas) é essencial para aplicar este método corretamente.
Escrituração Contábil: O Passo a Passo Essencial
Agora, vamos ao guia prático para registrar suas movimentações:
Passo 1: Organize Seus Documentos (a Base de Tudo)
Nenhuma escrituração é possível sem documentação. Reúna e organize todos os documentos que comprovem as transações financeiras e patrimoniais da empresa. Isso inclui:
- Notas Fiscais (de venda, de compra de mercadorias/serviços)
- Recibos
- Extratos bancários e de aplicações financeiras
- Contratos (de aluguel, de empréstimos, de prestação de serviços)
- Comprovantes de pagamento de salários e encargos
- Contas de consumo (luz, água, telefone, internet)
- Boletos pagos e recebidos
- Extratos de cartões de crédito corporativos
- Documentos de compra e venda de bens (imóveis, veículos, equipamentos)
Mantenha esses documentos organizados por data, tipo ou cliente/fornecedor. A falta de um documento pode invalidar um registro contábil e gerar problemas fiscais.
Passo 2: Identifique e Classifique a Transação
Para cada documento, identifique qual tipo de transação ocorreu (venda, compra, pagamento de despesa, recebimento de cliente, investimento, etc.). Em seguida, classifique essa transação dentro do Plano de Contas da sua empresa. O Plano de Contas é uma estrutura organizada das contas contábeis utilizadas para registrar as operações.
Por exemplo: um pagamento de conta de luz é uma despesa. Um recebimento de cliente por uma venda é uma entrada de receita e um aumento no caixa/banco.
Passo 3: Aplique o Método das Partidas Dobradas (Débito e Crédito)
Com a transação identificada e classificada, determine quais contas contábeis foram afetadas e se elas serão debitadas ou creditadas. Lembre-se: o valor total dos débitos deve ser igual ao valor total dos créditos para cada lançamento.
- Exemplo Simples: Sua empresa vendeu um produto por R$ 100 e recebeu em dinheiro.
- A conta “Caixa” (Ativo) aumentou R$ 100. Contas do Ativo aumentam com Débito.
- A conta “Receita de Vendas” (Receita) aumentou R$ 100. Contas de Receita aumentam com Crédito.
- Lançamento: Débito na conta Caixa (R$ 100) e Crédito na conta Receita de Vendas (R$ 100).
Passo 4: Registre no Livro Diário
O Livro Diário é o registro principal e cronológico das operações. Cada transação (ou um conjunto de transações diárias) é registrada na ordem em que ocorre. O lançamento no Diário geralmente inclui:
- Data da operação
- Descrição detalhada da transação (histórico)
- Contas Debitadas e Creditadas
- Valor da transação
- Referência ao documento comprobatório
Legalmente, o Livro Diário deve ser encadernado (ou em formato digital via SPED) e registrado no órgão competente (Junta Comercial ou Cartório de Pessoas Jurídicas).
Passo 5: Transfira para o Livro Razão
Enquanto o Diário mostra as operações em ordem cronológica, o Livro Razão organiza as informações por conta contábil. Cada conta do Plano de Contas terá um “ficha” ou “razonete” onde são registrados todos os débitos e créditos que a afetam, permitindo calcular o saldo atual de cada conta a qualquer momento.
Continuando o exemplo do Passo 3: no Livro Razão, a conta “Caixa” receberia um débito de R$ 100, e a conta “Receita de Vendas” receberia um crédito de R$ 100.
O Livro Razão também é exigido pela legislação para a maioria das empresas.
Passo 6: Prepare o Balancete de Verificação
Periodicamente (geralmente mensalmente), prepare o Balancete de Verificação. Este documento lista todas as contas contábeis com seus respectivos saldos (devedor ou credor) extraídos do Livro Razão. O objetivo primário é verificar se a soma de todos os saldos devedores é igual à soma de todos os saldos credores, confirmando que o Método das Partidas Dobradas foi aplicado corretamente. Além disso, o Balancete oferece um panorama dos saldos das contas.
Passo 7: Realize Ajustes (quando necessário)
Antes de fechar o balanço e as demonstrações financeiras, podem ser necessários ajustes contábeis. Isso inclui lançamentos para:
- Depreciação de bens
- Provisões para férias, 13º salário, etc.
- Ajustes de estoque
- Receitas e despesas a apropriar (competência)
Esses ajustes garantem que as demonstrações financeiras reflitam a realidade econômica do período.
Passo 8: Elabore as Demonstrações Financeiras
Com o balancete ajustado, é possível gerar as principais demonstrações financeiras, que são o resumo do período:
- Balanço Patrimonial (BP): Apresenta a posição financeira da empresa em uma data específica (ativos, passivos e patrimônio líquido).
- Demonstração do Resultado do Exercício (DRE): Mostra as receitas, custos e despesas de um período, resultando no lucro ou prejuízo líquido.
- Outras demonstrações podem ser exigidas ou úteis, como a Demonstração do Fluxo de Caixa (DFC) e a Demonstração das Mutações do Patrimônio Líquido (DMPL).
Passo 9: Armazene Corretamente Seus Registros e Documentos
Os livros contábeis e os documentos que deram origem aos lançamentos devem ser armazenados pelo prazo legal (atualmente, via de regra, 5 anos a partir do exercício seguinte ao do encerramento, mas pode variar). Com a escrituração digital (SPED Contábil), os livros são transmitidos eletronicamente, mas a guarda dos documentos originais ainda é fundamental.
Ferramentas para a Escrituração
Antigamente, a escrituração era feita manualmente em livros físicos. Hoje, a vasta maioria das empresas utiliza softwares de gestão contábil. Essas ferramentas automatizam muitos processos, reduzem a chance de erros, facilitam a aplicação das Partidas Dobradas, geram os livros e demonstrações e preparam os arquivos digitais para o SPED.
O Papel Essencial do Profissional Contábil
Embora este passo a passo descreva o processo, a escrituração contábil no Brasil possui diversas particularidades e complexidades, especialmente no que tange à legislação tributária.
Ter um contador qualificado e de confiança é indispensável. Ele não apenas executará ou supervisionará a escrituração garantindo a conformidade legal, mas também interpretará os dados, oferecerá insights valiosos sobre a gestão financeira e auxiliará no planejamento tributário e financeiro da sua empresa.
Conclusão
A escrituração contábil não é apenas um fardo burocrático, mas sim uma ferramenta poderosa de gestão. Seguir um processo organizado, como o passo a passo apresentado, utilizando as ferramentas adequadas e contando com o suporte de um contador, transformará a contabilidade de uma obrigação em uma aliada estratégica para o crescimento e a sustentabilidade do seu negócio. Invista na escrituração correta e colha os frutos de uma gestão financeira eficiente e transparente.