Guia Completo do Transporte de Cargas no Brasil – Impostos, Documentação e Regras Essenciais

FISCAL E TRIBUTARIO

O transporte de mercadorias é a espinha dorsal do comércio, mas para as empresas que atuam nesse setor no Brasil, a complexidade tributária e documental pode ser um grande desafio. Entender as nuances entre ISS (Imposto Sobre Serviços) e ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), as regras de Substituição Tributária, a aplicação do DIFAL e as particularidades para empresas do Simples Nacional é fundamental para a conformidade e a eficiência operacional.

Impostos Incidentes sobre o Transporte

O primeiro passo para entender a tributação do transporte é diferenciar os impostos que podem incidir sobre o serviço:

  • ISS (Imposto Sobre Serviços): Incide sobre serviços de transporte intramunicipal, ou seja, aqueles que ocorrem integralmente dentro dos limites de um único município.
    • Local de Incidência: O ISS é devido no local do município onde o serviço de transporte é efetivamente executado.
    • Códigos de Serviço (São Paulo):
      • 16.01: Serviços de transporte coletivo municipal (rodoviário, metroviário, ferroviário e aquaviário de passageiros).
      • 16.02: Outros serviços de transporte de natureza municipal.
    • Substituição Tributária do ISS em São Paulo: No Município de São Paulo, o tomador do serviço (contratante) é responsável pelo pagamento do ISS, devendo reter o imposto na fonte, especialmente quando o serviço é prestado por um estabelecimento fora de São Paulo e se enquadra no subitem 16.01 da lista de serviços (Art. 9º da Lei 13.701/2003).
  • ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços): Incide sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal, ou seja, aqueles que se iniciam em um município e terminam em outro município ou estado.

ICMS em São Paulo: Detalhes Essenciais

Para transportadoras com operações ou tomadores em São Paulo, as regras do ICMS são particularmente importantes:

  • Fato Gerador do ICMS (Art. 2º do RICMS/SP):
    • Ocorre no início da prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal.
    • Na utilização de serviço de transporte iniciado em outro estado com destino a São Paulo, cujo tomador seja contribuinte paulista e não haja vínculo com operação subsequente tributada.
    • Na utilização de serviço de transporte iniciado em outro estado com destino a São Paulo, não vinculado a operação subsequente tributada, e cujo tomador não seja contribuinte paulista (nesse caso, o imposto correspondente ao DIFAL é devido a São Paulo).
  • Local da Prestação (Art. 36 do RICMS/SP): O ICMS é devido onde a prestação de serviço de transporte tiver início. No entanto, se o transportador estiver em situação fiscal irregular ou se o serviço iniciado em outro estado tiver destino a São Paulo e o tomador for contribuinte paulista (sem vínculo com operação subsequente tributada), o local será o do estabelecimento destinatário em São Paulo.
  • Base de Cálculo e Alíquota: A base de cálculo é o preço do serviço. Em São Paulo, a alíquota interna para serviços de transporte é de 12% (Art. 54, I do RICMS/SP), sujeita a um complemento de 1,3% para certas operações, totalizando 13,3%.
  • Envolvidos na Operação (Art. 4º do RICMS/SP):
    • Remetente: Quem inicia a saída da carga.
    • Destinatário: A quem a carga é destinada.
    • Tomador do Serviço: Responsável contratual pelo pagamento do frete (pode ser remetente, destinatário ou terceiro).
    • Emitente: O prestador de serviço de transporte que emite o documento fiscal.
    • Subcontratação: Quando o prestador original contrata outro para realizar o serviço desde a origem.
    • Redespacho: Contrato entre transportadores para que um efetue parte do trajeto.

CFOPs para Prestações de Serviço de Transporte

O CFOP (Código Fiscal de Operações e Prestações) na prestação de serviço de transporte está diretamente vinculado ao percurso físico da carga (locais de início e término), independentemente da localização do tomador ou remetente.

  • Percurso Interno (início e término na mesma UF da transportadora):
    • 5.352/5.353: Para estabelecimento industrial/comercial.
    • 5.357: Para não contribuinte.
  • Percurso Interestadual (início na UF da transportadora e término em outra UF):
    • 6.352/6.353: Para estabelecimento industrial/comercial.
    • 6.357: Para não contribuinte.
  • Percurso Interno (início e término fora da UF da transportadora, mas na mesma UF):
    • 5.932: Prestação de serviço de transporte iniciada em UF diversa daquela onde inscrito o prestador.
  • Percurso Interestadual (início fora da UF da transportadora e término em outra UF):
    • 6.932: Prestação de serviço de transporte iniciada em UF diversa daquela onde inscrito o prestador, e término em UF diferente da de início.
  • 5.360/6.360: Prestação de serviço de transporte a contribuinte substituto em relação ao serviço de transporte.

Crédito do ICMS para Transportadoras

Transportadoras têm direito ao crédito do ICMS sobre a aquisição de combustíveis (óleo diesel, gasolina e álcool) consumidos diretamente no acionamento dos veículos utilizados em prestações de serviço de transporte com início em território paulista. Mesmo que o combustível tenha sido adquirido em outro estado ou esteja sob regime de substituição tributária (ST), o crédito é permitido (Decisão Normativa CAT-1/2001 e Respostas à Consulta Tributária 14706/2016 e 19708/2019).

  • Importante: Combustível adquirido para transporte iniciado em outro estado não gera direito a crédito na escrita fiscal paulista.

Crédito Outorgado/Presumido (Anexo III, Art. 11 do RICMS/SP)

Alternativamente ao crédito de insumos, o estabelecimento prestador de serviço de transporte (exceto aéreo) pode optar por um crédito outorgado de 20% do valor do imposto devido na prestação. Essa opção:

  • É opcional e deve abranger todos os estabelecimentos do contribuinte no Brasil.
  • Implica na vedação ao aproveitamento de quaisquer outros créditos (como o de combustível).
  • Deve ser formalizada com um termo no livro Registro de Utilização de Documentos Fiscais e Termos de Ocorrências.

Emissão de CT-e para Início em Outra UF

Quando o transportador paulista efetua uma prestação de serviço de transporte que se inicia em uma unidade federada diversa daquela em que está credenciado para emitir o CT-e, a solicitação de Autorização de Uso do CT-e deve ser transmitida à administração tributária onde está credenciado. Além disso, séries distintas de CT-e devem ser utilizadas para essa situação (Ajuste Sinief Nº 09/2007).

Substituição Tributária em São Paulo no Transporte

A Substituição Tributária (ST) no transporte em São Paulo atribui a responsabilidade do recolhimento do ICMS a um terceiro, geralmente o tomador do serviço.

  • Transportador Autônomo ou Empresa de Outro Estado não Inscrita em SP (Art. 316 do RICMS/SP): Na prestação de serviço de transporte de carga com início em São Paulo, realizada por transportador autônomo (de qualquer domicílio) ou empresa transportadora de outro estado não inscrita no cadastro de contribuintes paulista (inclusive as do Simples Nacional), a responsabilidade pelo pagamento do imposto é atribuída ao tomador do serviço, se ele for contribuinte do ICMS em São Paulo.
    • Nesses casos, a transportadora estrangeira deve emitir CT-e sem destaque do imposto.
    • O tomador paulista (contribuinte do ICMS e não MEI/Produtor Rural) deve emitir Nota Fiscal de entrada (CFOP 2.931) e escriturar o imposto no Registro de Apuração do ICMS (débito em “Outros Débitos”) e no Registro de Entradas (crédito, se permitido).
    • Se o tomador for Produtor Rural ou MEI, a responsabilidade é do transportador, que deve recolher o imposto antes do início da prestação via guia de recolhimentos especiais.
  • Prestação por Mais de um Prestador (Art. 314 do RICMS/SP): Se a prestação for realizada por mais de uma empresa em São Paulo, a responsabilidade pelo pagamento do imposto é do prestador que efetuar a cobrança integral do preço. A base de cálculo é o preço total cobrado do tomador.

Simples Nacional e Transportes

Empresas do Simples Nacional que prestam serviços de transporte rodoviário de cargas (intermunicipal e interestadual) seguem as regras específicas do regime. A Resolução CGSN nº 140/2018 determina que, no cálculo do valor devido mensalmente, a receita de transporte de cargas é tributada com base no Anexo III, mas o percentual relativo ao ISS é desconsiderado, e o percentual relativo ao ICMS previsto na tabela do Anexo I é adicionado.

  • ICMS antecipado para SN: Empresas do Simples Nacional também devem recolher o ICMS antecipado (por ST) da mesma forma que as empresas do regime normal quando aplicável. Para evitar a dupla tributação, essa receita deve ser informada no PGDAS-D como sujeita à substituição tributária do ICMS.

DIPAM e Transporte

A DIPAM (Declaração para o Índice de Participação dos Municípios) exige que as transportadoras informem o valor total dos serviços de transporte intermunicipal e interestadual por município paulista onde o serviço teve início, incluindo o próprio município do declarante (Código DIPAM 2.3).

Documentos Fiscais Essenciais no Transporte

A emissão correta dos documentos fiscais é vital:

  • CT-e (Conhecimento de Transporte Eletrônico), modelo 57 e DACTE: Substitui diversos documentos fiscais de transporte, sendo obrigatório para a maioria das operações interestaduais e intermunicipais de carga.
  • MDF-e (Manifesto Eletrônico de Documentos Fiscais), modelo 58 e DAMDFE: Emitido pelo transportador para o transporte de carga fracionada (mais de um CT-e) ou carga lotação (um único CT-e) em operações interestaduais e intermunicipais.
  • CIOT (Código Identificador da Operação de Transportes): Código obrigatório obtido junto à ANTT para regulamentar e fiscalizar o pagamento do frete no transporte rodoviário de cargas.
  • DT-e (Documento Eletrônico de Transporte): Instituído pela MP Nº 1.051/2021, é um documento eletrônico mais abrangente que visa consolidar diversas informações sobre a operação de transporte.
  • Nota Fiscal de Serviço de Transporte (modelo 7): Para transporte de pessoas (turismo, fretamento).
  • Conhecimento de Transporte Rodoviário de Cargas (modelo 8): Para transporte rodoviário de carga (substituído pelo CT-e na maioria dos casos).
  • Outros: Conhecimento de Transporte Multimodal (modelo 26), Despacho de Transporte (modelo 17), Ordem de Coleta de Cargas (modelo 20), Manifesto de Carga (modelo 25).

Transporte Parcelado de Mercadorias (Art. 125 do RICMS/SP)

Quando uma mercadoria com preço unitário não pode ser transportada de uma só vez (ex: grandes equipamentos), aplicam-se regras específicas:

  1. Emite-se uma Nota Fiscal para o todo, com destaque do ICMS, indicando que a remessa será feita em partes.
  2. Para cada remessa parcial, emite-se uma nova Nota Fiscal sem destaque do ICMS, fazendo menção à Nota Fiscal original.

Operações Interestaduais e o DIFAL

Nas prestações de serviço de transporte que se iniciam em outros estados, as transportadoras e os tomadores devem observar a legislação da UF de origem. O Convênio ICMS 25/90 traz regras gerais para a cobrança do ICMS.

  • Crédito em Aquisição de Serviço de Transporte FOB: O tomador paulista tem direito ao aproveitamento de crédito referente à prestação de serviço de transporte que contrata para mercadorias adquiridas com cláusula FOB (frete por conta do comprador), mesmo que o serviço tenha iniciado em outro estado, desde que vinculado a operação tributada pelo ICMS (Art. 59 e 61 do RICMS/SP).
  • ICMS Antecipado (DIFAL): Em certas situações, especialmente quando o tomador do serviço não é contribuinte do ICMS ou a operação não está vinculada a uma subsequente tributada, o ICMS correspondente à Diferença de Alíquotas (DIFAL) pode ser devido ao estado de destino, cabendo à transportadora (ou ao tomador, dependendo da regra específica do estado) o recolhimento antecipado.

Dominar as regras do transporte é fundamental para a saúde fiscal e operacional de qualquer negócio que lide com movimentação de cargas. A complexidade do sistema exige atenção constante e, muitas vezes, o apoio de especialistas para garantir a conformidade e a otimização tributária.

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