A implementação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) representa um marco significativo na reforma tributária brasileira, buscando simplificar o sistema e modernizar a arrecadação. No entanto, para uma correta aplicação e para evitar surpresas no planejamento fiscal, é fundamental compreender as situações em que esses novos tributos não incidem. A Lei Complementar nº 214/2025, em seu Art. 6º, elenca de forma clara essas importantes exceções.
1. Serviços Prestados por Pessoa Física em Relação de Emprego ou Administração
Uma das primeiras e mais importantes distinções trazidas pela legislação é a não incidência do IBS/CBS sobre os serviços prestados por pessoa física em determinadas condições. Isso é crucial para evitar a bitributação de relações já reguladas por outras esferas do direito:
- Relação de emprego: Quando uma pessoa física presta serviços à empresa sob um vínculo empregatício (como um funcionário CLT), esses serviços não são alcançados pelo IBS/CBS. A tributação desses rendimentos ocorre na folha de pagamento e no Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF).
- Atuação como administrador ou membro de conselho: Da mesma forma, os serviços prestados por pessoas físicas que atuam como administradores de empresas ou membros de conselhos (como diretores ou conselheiros fiscais) também estão fora do escopo de incidência do IBS/CBS. A remuneração por essas funções segue um regime tributário específico.
Essa medida visa desonerar relações de trabalho e governança corporativa que já possuem sua própria sistemática tributária, garantindo clareza e previsibilidade.
2. Transferência de Bens entre Estabelecimentos da Mesma Empresa
A lógica por trás do IBS/CBS é tributar o consumo. Dessa forma, a transferência de bens entre filiais ou estabelecimentos de uma mesma empresa não configura, em si, uma operação de venda ou consumo externo que justifique a incidência desses impostos. A condição para essa não incidência é que seja emitido o devido documento fiscal eletrônico, garantindo o controle e a rastreabilidade da movimentação interna. Isso simplifica a gestão fiscal de grandes empresas com múltiplas unidades e evita a tributação em cascata de bens que ainda não foram efetivamente colocados no mercado para o consumidor final.
3. Operações com Participações Societárias
O mercado de capitais e as reorganizações societárias possuem características próprias que demandam um tratamento tributário diferenciado. Por isso, a venda, baixa ou transferência de participações societárias (ações, cotas, etc.) não sofrem a incidência do IBS/CBS. A exceção a essa regra ocorre apenas quando há distribuição de bens com crédito previamente utilizado (conforme o Art. 5º, III, da LCP nº 214/2025), indicando uma utilização do bem que pode gerar um benefício fiscal e que, portanto, precisa ser ajustado.
4. Transferências Decorrentes de Reorganizações Societárias
Seguindo a mesma lógica das participações societárias, as transferências de bens em casos de fusão, cisão, incorporação, integralização ou devolução de capital também estão fora do campo de incidência do IBS/CBS. Essas operações são movimentos internos de patrimônio entre entidades, não representando consumo. Assim como no item anterior, a exceção se aplica à devolução de bens com crédito previamente utilizado, que exige um ajuste fiscal.
5. Rendimentos Financeiros
Os rendimentos financeiros em geral (como juros de aplicações, ganhos em fundos, etc.) não são alvo da incidência do IBS/CBS. A natureza desses rendimentos é distinta do consumo de bens e serviços. Contudo, essa não incidência tem uma ressalva importante: caso esses rendimentos estejam na base de cálculo de regimes específicos de serviços financeiros, eles poderão ser tributados sob essa modalidade particular. Isso demonstra a preocupação do legislador em segmentar e aplicar regimes mais adequados a setores específicos da economia.
6. Dividendos, Juros sobre Capital Próprio (JCP) e Juros de Cooperativas
Similar aos rendimentos financeiros, os dividendos, juros sobre capital próprio (JCP) e juros distribuídos por cooperativas também não sofrem a incidência do IBS/CBS. Essas são formas de remuneração de capital e distribuição de lucros que já possuem seu próprio tratamento tributário, muitas vezes na esfera do Imposto de Renda. A exceção, novamente, são as hipóteses previstas no Art. 5º, III, que se referem a distribuições de bens com crédito fiscal.
7. Operações com Títulos e Valores Mobiliários
As operações envolvendo títulos e valores mobiliários (como ações, debêntures, Certificados de Depósito Bancário – CDBs, entre outros) também são excluídas da incidência do IBS/CBS. O propósito é não onerar as transações no mercado financeiro e de capitais, que já são reguladas e tributadas por outros mecanismos. Assim como nos rendimentos financeiros, há uma ressalva para quando essas operações estiverem dentro do regime financeiro específico, indicando uma possível tributação sob essa modalidade.
8. Doações sem Contraprestação
A essência do IBS/CBS é a tributação do consumo, ou seja, de operações que envolvem uma contraprestação. Portanto, as doações gratuitas, sem nenhuma contraprestação do beneficiário, não geram a incidência desses tributos. A exceção a essa regra se dá quando o bem doado foi adquirido com crédito fiscal de IBS/CBS. Nesses casos, para evitar que o contribuinte se beneficie indevidamente do crédito em uma operação que não gerará débitos, é necessário tributar a doação ou anular o crédito correspondente.
9. Transferências de Recursos ou Bens Públicos para OSCs
A transferência de recursos ou bens públicos para organizações da sociedade civil sem fins lucrativos (OSCs), como ONGs, é uma medida de fomento a atividades de interesse público e, por isso, não gera tributação pelo IBS/CBS. Essa exclusão visa incentivar o apoio a essas entidades, que desempenham um papel fundamental na sociedade, sem onerar as parcerias entre o poder público e o terceiro setor.
A compreensão detalhada dessas hipóteses de não incidência do IBS/CBS é essencial para que empresas e profissionais da área tributária possam realizar um planejamento fiscal eficiente e evitar passivos desnecessários. A clareza trazida pela LCP nº 214/2025 contribui para a segurança jurídica e para a adaptação ao novo cenário tributário brasileiro.