IOF e CIDE: quando a função regulatória é desviada para fins arrecadatórios

FISCAL E TRIBUTARIO

No dia 29 de maio de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento do Tema nº 914 da Repercussão Geral, que trata da constitucionalidade da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) incidente sobre remessas ao exterior. Este julgamento, embora específico, traz à tona uma questão mais ampla e preocupante: o uso de tributos com finalidade regulatória — como o IOF e a própria CIDE — como instrumentos de aumento de arrecadação, em desconformidade com seus objetivos constitucionais.

Desde sua criação, ambos os tributos foram concebidos como mecanismos de regulação econômica e estímulo a setores estratégicos. Entretanto, ao longo dos anos, a função regulatória foi sendo desvirtuada, dando lugar a um uso predominantemente fiscal, muitas vezes em desacordo com os limites constitucionais e os princípios da legalidade e da segurança jurídica.


A CIDE e a distorção de sua finalidade original

A CIDE foi instituída no Brasil pela Lei nº 10.168/2000, com o propósito declarado de estimular o desenvolvimento tecnológico e a inovação no país. Sua incidência deveria se restringir às operações que envolvessem transferência de tecnologia, como contratos de licenciamento de patentes e fornecimento de conhecimentos técnicos.

Contudo, ao longo dos anos, alterações legislativas ampliaram significativamente o escopo da contribuição. Serviços técnicos especializados, assistência administrativa e até royalties passaram a ser incluídos na base de cálculo da CIDE, mesmo quando não havia qualquer conteúdo tecnológico envolvido. Essa ampliação gerou forte controvérsia no meio jurídico e empresarial, pois muitos contratos passaram a ser onerados pela CIDE de forma questionável.

A origem dessa mudança remonta ao ano 2000, quando uma medida provisória elevou a alíquota do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre royalties de 15% para 25%. Diante da reação negativa do mercado, o governo recuou e restabeleceu a alíquota de 15%, mas criou a CIDE com uma alíquota de 10% para compensar a perda arrecadatória. No fim das contas, a carga tributária retornou ao patamar anterior de 25%, apenas com uma nova roupagem.

Hoje, com o julgamento em curso no STF, esse modelo está sob exame. O ministro Luiz Fux, relator do caso, já se posicionou pela limitação da CIDE exclusivamente às situações em que há transferência tecnológica, conforme previsto originalmente. Caso esse entendimento prevaleça, abre-se a possibilidade para que inúmeras empresas requeiram a restituição de valores pagos indevidamente, representando um possível impacto bilionário aos cofres públicos.


O IOF e sua crescente utilização como ferramenta fiscal

Situação semelhante ocorre com o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Embora tenha sido constitucionalmente instituído com função extrafiscal, ou seja, para regular o mercado financeiro, o crédito, o câmbio e o seguro, na prática o IOF tem sido constantemente utilizado como instrumento de arrecadação.

O grande atrativo do IOF para o Poder Executivo é sua flexibilidade: a Constituição permite que o governo altere suas alíquotas por decreto, sem necessidade de aprovação legislativa, o que também dispensa o cumprimento do princípio da anterioridade tributária. Isso tem gerado um uso recorrente e muitas vezes arbitrário do imposto, com aumentos repentinos de alíquota voltados exclusivamente para reforçar a arrecadação federal.

Essa prática, apesar de juridicamente possível dentro de determinados limites, compromete a previsibilidade e a estabilidade regulatória que deveriam orientar as políticas públicas. Empresas e investidores se veem diante de um ambiente instável, em que decisões tributárias podem ser tomadas de forma unilateral e súbita, comprometendo o planejamento de operações financeiras e empresariais.


A violação dos princípios constitucionais e seus reflexos econômicos

O uso recorrente de tributos com finalidade regulatória como instrumentos fiscais disfarçados viola princípios fundamentais do sistema tributário brasileiro, tais como:

  • Princípio da legalidade tributária, que exige que a criação e a majoração de tributos sejam feitas por lei;
  • Princípio da segurança jurídica, comprometido pela instabilidade normativa e pela imprevisibilidade de mudanças abruptas;
  • Princípio da não afetação de receitas tributárias específicas, que deve ser respeitado especialmente no caso de contribuições vinculadas a finalidades determinadas;
  • Boa-fé e confiança legítima, fundamentais para a estabilidade das relações entre Estado e contribuinte.

Além das questões jurídicas, essa prática afeta diretamente o ambiente de negócios no país, gerando:

  • Insegurança para investidores estrangeiros, especialmente em setores como tecnologia e serviços;
  • Aumento dos custos de conformidade tributária, devido à complexidade e volatilidade das normas;
  • Redução da competitividade das empresas brasileiras em um cenário globalizado.

Conclusão

O julgamento da CIDE pelo STF representa mais do que um debate sobre um tributo específico: trata-se de uma oportunidade para o Poder Judiciário reafirmar os limites do poder de tributar, protegendo a função original dos tributos com finalidade extrafiscal.

A prática de utilizar contribuições e impostos como mecanismos indiretos de arrecadação, sob a aparência de regulação econômica, enfraquece o sistema tributário, mina a confiança institucional e dificulta o desenvolvimento sustentável do país.

É fundamental que o Estado retome o compromisso com a transparência, a legalidade e a função legítima de cada espécie tributária, promovendo um ambiente de negócios mais estável, competitivo e juridicamente seguro.

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