A Reforma Tributária sobre o Consumo no Brasil, materializada em Emenda Constitucional, promete ser a mais profunda alteração no sistema fiscal brasileiro em décadas. Entre as diversas características que os novos Impostos sobre Bens e Serviços (IBS) e Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) apresentarão, uma se destaca como pilar fundamental da prometida simplificação: a legislação uniforme. Este conceito inovador prevê que, pela primeira vez na história tributária brasileira, teremos impostos sobre o consumo com regras idênticas aplicáveis em todo o território nacional.
O Fim da “Guerra Fiscal” e a Complexidade Atual
Atualmente, o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) é um imposto de competência estadual, e o ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza) é municipal. Essa descentralização resulta em 27 legislações estaduais e mais de 5.500 legislações municipais, cada uma com suas próprias regras sobre fatos geradores, bases de cálculo, alíquotas, regimes especiais, prazos, obrigações acessórias, etc. Essa pulverização gera a famosa “guerra fiscal”, disputas judiciais constantes, enorme insegurança jurídica e uma carga burocrática insustentável para empresas e profissionais.
Para uma empresa que opera em múltiplos estados ou municípios, a complexidade de gerenciar e cumprir diferentes legislações é um gargalo operacional e financeiro. Os profissionais de contabilidade e fiscal dedicam boa parte do seu tempo a decifrar e aplicar as nuances de cada legislação local.
O Conceito da Legislação Uniforme: Um Alívio para Profissionais
A legislação uniforme, prevista no artigo 149-B da Constituição Federal/1988 (incluído pela Reforma), é a resposta a essa complexidade. Ela estabelece que o IBS (que unificará ICMS e ISS, além de outros) e a CBS (que unificará PIS e Cofins) terão regras idênticas aplicáveis em todos os entes federativos – União, Estados e Municípios.
Isso significa que, apesar dos regulamentos e atos normativos serem publicados individualmente por cada esfera de governo (União para CBS e um Comitê Gestor para o IBS), o conteúdo material das regras será o mesmo. A vida dos profissionais será facilitada de forma substancial, pois não será mais necessário interpretar e aplicar dezenas ou centenas de legislações diferentes para um mesmo imposto. Uma regra aprendida será válida do Oiapoque ao Chuí.
As Áreas Abrangidas pela Legislação Uniforme
A uniformidade não se limitará a aspectos superficiais, mas sim a pontos nevrálgicos da tributação, garantindo a coesão do sistema:
- Fatos Geradores, Bases de Cálculo, Hipóteses de Não Incidência e Sujeitos Passivos:
- Fato Gerador: Haverá uma definição única sobre qual evento econômico dá origem à obrigação de pagar o IBS e a CBS, eliminando as disputas atuais sobre a caracterização de operações como venda de mercadoria ou prestação de serviço.
- Bases de Cálculo: A forma de apurar o valor sobre o qual a alíquota será aplicada será a mesma em todo o país, acabando com as variações regionais que hoje geram complexidade no cálculo.
- Hipóteses de Não Incidência: As situações em que o imposto não deverá ser cobrado serão padronizadas, trazendo maior segurança jurídica e evitando questionamentos sobre a aplicação de benefícios ou isenções locais.
- Sujeitos Passivos: Será claro quem é o responsável pelo pagamento do imposto (contribuinte e responsável tributário), eliminando dúvidas sobre a atribuição da obrigação.
- Imunidades:
- As regras constitucionais de imunidade (como a de livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão; ou as imunidades para templos de qualquer culto) terão sua aplicação detalhada em legislação única, garantindo que sejam interpretadas e aplicadas de forma consistente em todo o país.
- Regimes Específicos, Diferenciados ou Favorecidos de Tributação:
- Mesmo os regimes que oferecem tratamento diferenciado (como para combustíveis, serviços financeiros, cooperativas, etc.) terão suas regras uniformes em todo o território nacional. Isso é crucial para setores que atuam nacionalmente e hoje enfrentam uma miríade de regras específicas para cada estado ou município.
- Regras de Não Cumulatividade e de Creditamento:
- Esta é uma das características mais importantes para as empresas. A não cumulatividade plena será uma realidade, e as regras sobre o direito ao crédito (o que pode ser creditado, em que momento, etc.) serão as mesmas em todos os lugares. Isso resolverá um dos maiores problemas atuais, que são as restrições e vedações de crédito que variam por estado, gerando acúmulo de créditos e ineficiências. Com a uniformidade, a apuração do crédito e débito será significativamente mais simples e previsível.
Impactos Positivos e Desafios da Implementação
A implementação da legislação uniforme trará diversos benefícios:
- Simplificação: Redução drástica da complexidade para o cumprimento das obrigações principais e acessórias.
- Segurança Jurídica: Diminuição das dúvidas de interpretação e das litigações.
- Redução de Custos: Menos tempo e recursos gastos com compliance e consultoria tributária.
- Fim da Guerra Fiscal: Eliminação das disputas entre entes federativos por meio da concessão de benefícios irregulares.
No entanto, o processo de transição e a criação dessa legislação única para IBS e CBS não serão isentos de desafios. O diálogo entre a União, Estados e Municípios será fundamental para a construção de um consenso que garanta a efetiva uniformidade e a funcionalidade do novo sistema. A interpretação e regulamentação dos dispositivos constitucionais por meio de Lei Complementar serão cruciais para que o conceito de “legislação uniforme” se traduza em uma realidade menos burocrática e mais justa para todos.
A legislação uniforme do IBS e da CBS é, sem dúvida, uma das maiores promessas de simplificação da Reforma Tributária. Ao ter essa característica em mente, empresas e profissionais já podem vislumbrar um futuro onde a complexidade fiscal será consideravelmente menor, permitindo um foco maior no desenvolvimento de seus negócios e atividades, em vez de se perderem no labirama das regras tributárias.