O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou recentemente um novo pacote de medidas tributárias com o objetivo de substituir parte do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) decretado em maio. A iniciativa do governo Lula visa não apenas recompor parte da arrecadação, mas também, segundo o Ministério da Fazenda, promover “ajustes relevantes” nas despesas públicas para fortalecer o arcabouço fiscal. Contudo, as propostas geram debates e impactam diretamente diversos setores da economia e a vida do investidor brasileiro.
As Novas Fontes de Arrecadação: Onde o Dinheiro Será Buscado
O pacote de medidas tributárias foca em frentes que, em tese, apresentariam menor impacto sobre a população em geral, mas que tocam em pontos sensíveis para o mercado financeiro e para setores específicos.
1. LCI, LCA, CRI, CRA e Debêntures Incentivadas: O Fim da Isenção Total de IR
Uma das mudanças mais significativas e que gerará maior impacto no mercado de capitais é a alteração da alíquota do Imposto de Renda (IR) sobre Letras de Crédito Imobiliário (LCI), Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e debêntures incentivadas. Atualmente, esses investimentos gozam de isenção total de IR para pessoas físicas. A partir de janeiro de 2026, a alíquota passará a ser de 5%.
Essa medida, embora ainda represente um tratamento diferenciado em comparação com outras aplicações, visa coibir o que o governo considera um uso excessivo desses instrumentos para planejamento tributário. O impacto esperado é a redução da atratividade desses papéis, podendo levar a um aumento nos custos de captação para os setores imobiliário e do agronegócio, bem como para projetos de infraestrutura que dependem das debêntures incentivadas.
2. Instituições Financeiras: Equalização da CSLL
O setor financeiro será impactado pela equalização da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). A alíquota para o setor passará a variar entre 15% e 20%, eliminando a alíquota reduzida de 9% para fintechs. A justificativa para essa alteração é a busca por uma maior equidade tributária entre as diferentes instituições financeiras, eliminando as vantagens fiscais que as fintechs vinham usufruindo. Embora possa onerar essas empresas iniciantes, a medida busca nivelar o campo de atuação e aumentar a arrecadação em um setor historicamente lucrativo.
3. Apostas: Aumento da Alíquota para as Bets
O crescente mercado de apostas online também será alvo de maior tributação. A alíquota incidente sobre as bets passará de 15% para 18% em outubro de 2025. Essa alteração reflete a busca por uma maior participação do Estado nos lucros de um setor em franca expansão no Brasil, alinhando-se a tendências internacionais de tributação sobre jogos e apostas.
4. Compensação Tributária Indevida: O Cerco às “Compensações Abusivas”
Um ponto de atenção para todas as empresas é a inclusão de um dispositivo para coibir as chamadas “compensações abusivas” de crédito tributário. A Fazenda passará a considerar como declarações indevidas aquelas feitas com documento de arrecadação inexistente, no caso de suposto pagamento indevido, e créditos de PIS/COFINS que não tenham relação com a atividade econômica do contribuinte.
Essa medida, que se assemelha em parte à controversa Medida Provisória nº 1.303/2025 (mencionada em análises anteriores), representa um cerceamento do direito à compensação e pode gerar um aumento significativo de contencioso administrativo e judicial. A legitimidade de um crédito e sua relação com a atividade fim da empresa são, em muitas ocasiões, questões complexas e que dependem de análise detalhada, não podendo ser presumidas como “indevidas” sem o devido processo legal. A preocupação é que o dispositivo se torne uma ferramenta para glosa automática de créditos, empurrando o contribuinte para a via judicial para defender seus direitos.
Ajustes nas Despesas Públicas: O Outro Lado da Moeda Fiscal
Além das alterações tributárias, a Medida Provisória traz “ajustes relevantes” acerca das despesas públicas, visando o “fortalecimento” do arcabouço fiscal. No entanto, o governo não divulgou o impacto de economia esperado com essas medidas.
- Educação: O programa Pé-de-Meia será inserido no piso constitucional da educação. Embora a medida possa assegurar funding para o programa, sua inserção no piso pode levantar discussões sobre a discricionariedade e flexibilidade do uso dos recursos para outras prioridades educacionais.
- Saúde: Serão realizadas mudanças nas regras do Atestmed (serviço digital do INSS para solicitação de benefícios por incapacidade temporária) e a sujeição à dotação orçamentária da compensação financeira entre o Regime Geral de Previdência Social e os regimes de previdência dos servidores públicos. As alterações no Atestmed visam, provavelmente, otimizar a concessão de benefícios, enquanto a sujeição à dotação orçamentária da compensação previdenciária pode impactar o fluxo de caixa dos regimes de previdência.
- Seguro Defeso: Serão feitos ajustes nos critérios de acesso e a sujeição à dotação orçamentária para o Seguro Defeso. A medida busca maior rigor na concessão do benefício, que é pago a pescadores artesanais durante o período de defeso, quando a pesca é proibida para garantir a reprodução das espécies.
IOF Amenizado e o Cenário Fiscal
A Fazenda amenizou parte do decreto de maio que aumentava o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o que indica uma tentativa de buscar alternativas de arrecadação que causem menor impacto direto sobre as transações cotidianas da população e das empresas.
Conclusão: Entre a Necessidade Fiscal e os Riscos para o Ambiente de Negócios
O novo pacote de medidas tributárias do governo Lula, sob a batuta do Ministro Haddad, revela a persistente necessidade de o Brasil equilibrar suas contas públicas e fortalecer seu arcabouço fiscal. As escolhas feitas, no entanto, trazem impactos diretos e indiretos para o mercado financeiro, para setores específicos da economia e, de forma mais ampla, para o ambiente de negócios.
Enquanto a equalização da CSLL para instituições financeiras e o aumento da alíquota das bets podem ser vistos como medidas de ajuste e de busca por maior justiça fiscal, as alterações na tributação de LCI, LCA, CRI, CRA e debêntures incentivadas, bem como o dispositivo sobre compensações tributárias, representam desafios significativos. A retirada da isenção de IR para investimentos historicamente incentivados pode desestimular o fluxo de capital para setores cruciais da economia. Já a restrição às compensações, sem o devido processo legal, pode gerar um aumento da insegurança jurídica e do contencioso tributário, dificultando a vida das empresas e sobrecarregando o sistema judicial.
O governo aposta que essas medidas serão suficientes para atender às necessidades fiscais, mas o mercado e os contribuintes precisarão de tempo para se ajustar e avaliar o real impacto no cenário econômico brasileiro. O debate sobre a adequação dessas medidas e seus efeitos de longo prazo está apenas começando.