O sistema tributário brasileiro, em constante evolução, busca mecanismos que otimizem a arrecadação e a utilização de créditos fiscais. Nesse contexto, o recolhimento pelo adquirente, previsto na subseção IV da Lei Complementar (LCP) 214, especificamente no Art. 36, surge como uma modalidade de extinção dos débitos de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), conforme o Art. 27, inciso IV da mesma lei. Esta inovação visa acelerar a apropriação de créditos pelo comprador, mas levanta questionamentos importantes sobre a responsabilidade tributária e a segurança jurídica.
Como Funciona o Recolhimento pelo Adquirente?
A faculdade do recolhimento pelo adquirente, imposta pelo Art. 36, está condicionada à não existência da opção pelo split payment (pagamento dividido) nos artigos 32 e 33 do instrumento de pagamento (arranjo) que o comprador utilizará para liquidar uma transação comercial com seu fornecedor. A premissa é simples: se o adquirente optar por recolher o tributo, o crédito é habilitado ao comprador no momento do pagamento, agilizando o processo. Para o fornecedor, isso significa que o débito daquela operação será extinto em sua apuração mensal, não havendo necessidade de recolhimentos adicionais.
O Dilema do Inadimplemento do Adquirente
A principal lacuna e ponto de controvérsia reside na situação em que o adquirente, após se comprometer com o recolhimento, não efetua o pagamento. O fornecedor, que recebeu o valor líquido do tributo, torna-se uma vítima nessa equação. Será justo que o fornecedor, contribuinte original, ainda seja sujeito passivo do imposto que não foi pago por seu cliente?
A LCP 214 não possui previsão expressa que torne o adquirente sujeito passivo pelo pagamento do tributo quando ele opta pelo recolhimento por conta própria. No entanto, um parágrafo vetado (§ 2º) no Art. 36, que fazia parte do Art. 52 do PLP 68 (onde estava previsto o recolhimento pelo adquirente), trazia uma luz sobre essa questão. A redação vetada dizia:
§ 2º O disposto neste artigo não afasta a responsabilidade do fornecedor pelo pagamento do valor não pago do IBS e da CBS cobrados na operação de que trata o caput, nos termos dos arts. 48 e 49.
O veto desse parágrafo, embora possa parecer prejudicial à primeira vista, sugere uma interpretação de que o fornecedor, quando lesado pelo seu cliente, pode não ser o único responsável pelo pagamento do tributo não quitado. Isso abre uma porta para a discussão sobre a responsabilidade solidária.
A Necessidade de Previsão Expressa e a Responsabilidade Solidária
É crucial que a LCP contenha uma previsão expressa indicando que o adquirente se torna sujeito passivo quando opta pelo recolhimento por conta própria. Essa clareza seria fundamental para fundamentar a responsabilidade solidária da fonte pagadora (adquirente) nos termos do Art. 124, II, do Código Tributário Nacional (CTN). Sem essa previsão, o fornecedor, que já recebeu um valor líquido de tributo, poderia ser onerado novamente, configurando um efeito de “dupla tributação” para o contribuinte/fornecedor.
Além disso, vale ressaltar que o adquirente que não efetuar o pagamento do tributo não terá direito ao crédito. No entanto, essa penalidade pode ser insuficiente, já que se o valor do tributo ficou retido com ele, a necessidade do crédito é mitigada.
O recolhimento pelo adquirente é uma ferramenta promissora para a otimização da arrecadação e do fluxo de caixa das empresas. Contudo, a ausência de disposições claras sobre a responsabilidade em caso de inadimplemento do adquirente cria uma insegurança jurídica que precisa ser endereçada. A inclusão de uma previsão expressa na LCP sobre a responsabilidade solidária do adquirente é essencial para garantir a justiça fiscal e a efetividade dessa modalidade de extinção do débito tributário.