A proposta de mudanças no Imposto de Renda (PL 1087/25) tem gerado intensos debates, especialmente no que tange aos seus impactos na arrecadação de Estados e Municípios. Em audiência pública recente na Câmara dos Deputados, o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, buscou tranquilizar os representantes locais, negando veementemente que haverá perdas significativas de arrecadação para esses entes federativos. Pelo contrário, a visão da Receita é de um cenário de ganhos, impulsionado por uma combinação de fatores.
Os Argumentos da Receita Federal: Ganhos Projetados
Segundo o secretário Robinson Barreirinhas, as projeções da Receita Federal indicam que os Municípios deverão experimentar um ganho de R$ 19,7 bilhões neste ano, decorrente da distribuição de impostos federais realizada pelo Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Esse ganho, conforme a Receita, superaria as perdas pontuais que poderiam surgir de outras frentes.
Barreirinhas abordou a preocupação levantada sobre a redução na retenção do Imposto de Renda (IR) dos salários de servidores que ganham até R$ 7 mil. A proposta em análise prevê a isenção para salários de até R$ 5 mil e a redução do imposto para a faixa entre R$ 5 mil e R$ 7 mil. Embora o secretário admita uma perda de R$ 3 bilhões para os municípios devido a essa medida, ele argumenta que essa perda será compensada e superada por outros mecanismos.
Para os Estados, as contas da Receita Federal também são otimistas. As projeções apontam para um aumento do Fundo de Participação dos Estados (FPE) em R$ 13,8 bilhões neste ano. As perdas com a redução da retenção do IR, no caso dos Estados, seriam de R$ 1,5 bilhão, valor consideravelmente menor que o ganho projetado no FPE.
A Controvérsia da Compensação Indireta: Aquecimento da Economia Local
Um dos pontos mais discutidos e que gera ceticismo é a previsão de ganhos com o aquecimento das economias locais. Barreirinhas defende que, ao liberar mais recursos no bolso de quem ganha menos, esse valor retorna imediatamente para a economia por meio da compra de bens e serviços. Essa movimentação, por sua vez, se refletiria diretamente na arrecadação de impostos estaduais e municipais, como o Imposto sobre Serviços (ISS) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) atualmente, e futuramente no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) da reforma tributária.
No entanto, essa perspectiva não é unânime. O deputado Mário Heringer (PDT-MG) expressou seu ceticismo, argumentando que a dependência de uma compensação baseada na demanda e no comportamento do consumidor é incerta e difícil de mensurar. “O município tem que ter a sua receita certa, líquida e compensada a partir desse projeto. A gente aceitar que uma compensação será feita pela demanda, pela ação das pessoas com o que restou no seu bolso, necessariamente isso não é verdade, não vai ocorrer. A gente não tem como medir”, ponderou o deputado.
Dividendos e a Tributação de Alta Renda: Detalhes e Ajustes
Outro ponto de atenção no debate sobre a reforma do IR é a tributação dos dividendos e dos contribuintes de alta renda. O relator do projeto questionou o secretário sobre um possível excesso de arrecadação com a taxação dos mais ricos. Barreirinhas explicou que, no médio prazo, não haverá excesso, pois o projeto prevê um mecanismo de restituição para as empresas caso a soma da tributação dos sócios com a das empresas ultrapasse 34%.
Em relação ao imposto mínimo para quem ganha mais de R$ 1,2 milhão, o secretário detalhou que apenas 2,2% das pessoas que recebem dividendos serão atingidas por essa nova regra, que visa tributar em pelo menos 10% essa parcela da população. Atualmente, a alíquota média para a alta renda é de apenas 2,5%.
A Receita Federal também refez os cálculos de arrecadação com essa taxa mínima após detalhar as faixas dos contribuintes de alta renda. O resultado atualizado projeta uma arrecadação de R$ 22,2 bilhões, um valor ligeiramente inferior aos R$ 25,2 bilhões divulgados inicialmente. Esse grupo de contribuintes de alta renda representa 137 mil pessoas, sendo que três delas auferem mais de R$ 1 bilhão por ano.
A Posição dos Municípios: CNM Sugere Aumento no FPM
Apesar das garantias da Receita Federal, a Confederação Nacional de Municípios (CNM) mantém sua preocupação. O presidente da entidade sugeriu um aumento de 0,5% no FPM como forma de compensar as perdas relativas à redução da retenção do IR. Pelas contas da CNM, as perdas municipais seriam de quase R$ 5 bilhões, um valor superior aos R$ 3 bilhões estimados pela Receita Federal. Essa divergência de números demonstra a complexidade da questão e a necessidade de um diálogo contínuo para garantir a justiça fiscal para todos os entes federativos.
Conclusão
As discussões em torno da reforma do Imposto de Renda e seus impactos na arrecadação de Estados e Municípios são complexas e multifacetadas. Enquanto a Receita Federal se esforça para demonstrar que as mudanças trarão ganhos ou, no mínimo, não gerarão perdas, os entes subnacionais e seus representantes expressam cautela e buscam garantias. O debate continua aceso na Câmara dos Deputados, e a definição final da proposta será crucial para o equilíbrio fiscal e o desenvolvimento socioeconômico de todo o Brasil.