A Lei Complementar que institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) avança, em seu Capítulo II do Título I, para detalhar as regras fundamentais de sua aplicação. Esta seção é vital para compreender quando, como e onde esses novos tributos incidirão, além de definir os casos de não incidência e as bases para o cálculo.
Seção I – Das Hipóteses de Incidência: O Que é Tributado
O Art. 4º estabelece a regra geral: o IBS e a CBS incidem sobre operações onerosas com bens ou com serviços. Uma operação é considerada onerosa quando há uma contraprestação, ou seja, um pagamento em dinheiro ou outra forma de compensação pelo fornecimento. O parágrafo 2º detalha que essa contraprestação pode decorrer de diversas espécies de transações, incluindo:
- Compra e venda, troca, permuta, dação em pagamento e outras formas de alienação.
- Locação, licenciamento, concessão e cessão.
- Mútuo oneroso (empréstimo com juros).
- Doação com contraprestação em benefício do doador.
- Instituição onerosa de direitos reais.
- Arrendamento, inclusive mercantil.
- Prestação de serviços de forma geral.
É importante notar que, para a caracterização dessas operações, o § 3º do Art. 4º define como irrelevantes o título jurídico da posse do bem, a forma jurídica do ato ou negócio, a obtenção de lucro e o cumprimento de exigências legais ou regulamentares. Isso garante que a tributação foque na essência econômica da operação, e não em sua forma legal ou intenção.
Além disso, o § 4º esclarece que a incidência ocorre em qualquer operação com bem ou serviço realizada pelo contribuinte, mesmo que envolva ativo não circulante (como a venda de um maquinário da empresa) ou seja fruto de uma atividade econômica não habitual. Essa abrangência reforça a ideia de um tributo sobre o consumo que alcança todas as etapas da cadeia econômica.
O § 5º traz uma salvaguarda importante: a incidência do IBS e da CBS não altera a base de cálculo do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD) e do Imposto sobre a Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis (ITBI), garantindo a distinção entre a tributação sobre o consumo e a tributação sobre o patrimônio.
O Art. 5º amplia as hipóteses de incidência para incluir operações que, embora não necessariamente “onerosas” no sentido estrito, possuem relevância econômica e potencial de distorção se não tributadas:
- Fornecimento não oneroso ou a valor inferior ao de mercado de bens e serviços, em casos específicos.
- Fornecimento de brindes e bonificações.
- Transmissão de bens para sócios ou acionistas por devolução de capital, dividendos in natura ou outras formas, quando a aquisição desses bens tenha permitido créditos ao contribuinte.
- Demais fornecimentos não onerosos ou a valor inferior ao de mercado por contribuinte a parte relacionada. A Lei Complementar define “partes relacionadas” de forma detalhada, abrangendo desde o controle societário até relações familiares e financeiras.
Seção II – Das Imunidades: O Que Não é Tributado
As imunidades são garantias constitucionais que impedem a cobrança de tributos em determinadas situações. O Art. 6º do Capítulo II lista as principais operações que não sofrem a incidência do IBS e da CBS:
- Serviços prestados por pessoas físicas em decorrência de relação de emprego ou como administradores/membros de conselhos. Isso evita a dupla tributação sobre salários e remunerações de conselheiros.
- Transferência de bens entre estabelecimentos do mesmo contribuinte.
- Baixa, liquidação e transmissão de participação societária, com exceções específicas para evitar planejamentos abusivos.
- Transmissão de bens em fusão, cisão, incorporação e integralização/devolução de capital, também com as mesmas ressalvas.
- Rendimentos financeiros, dividendos, juros sobre capital próprio e resultados de avaliação de participações societárias (com exceções para o regime de serviços financeiros).
- Demais operações com títulos ou valores mobiliários, salvo no regime de serviços financeiros.
- Doações sem contraprestação em benefício do doador (ressalvada a anulação de créditos ou tributação do valor de mercado se houve apropriação de créditos).
- Transferências de recursos e bens públicos para organizações da sociedade civil sem fins lucrativos, por meio de diversos instrumentos de fomento.
- Destinação de recursos por sociedades cooperativas para fundos específicos e a reversão dessas reservas.
- Repasse da cooperativa para seus associados de valores decorrentes de operações específicas e a distribuição em dinheiro de sobras aos associados.
O Art. 8º e o Art. 9º detalham as imunidades previstas para o IBS e a CBS:
- Exportações de bens e serviços (Art. 8º).
- Fornecimento pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, estendida a autarquias, fundações públicas e empresa pública prestadora de serviço postal, desde que ligadas a suas finalidades essenciais e não em exploração de atividades econômicas (Art. 9º, I e § 1º).
- Fornecimento por entidades religiosas e templos de qualquer culto, incluindo suas organizações assistenciais e beneficentes (Art. 9º, II e § 2º).
- Fornecimento por partidos políticos, entidades sindicais de trabalhadores e instituições de educação e assistência social sem fins lucrativos, desde que cumpram os requisitos do CTN (Art. 9º, III e § 3º).
- Livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão (Art. 9º, IV).
- Fonogramas e videofonogramas musicais brasileiros (Art. 9º, V).
- Serviço de comunicação de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita (Art. 9º, VI).
- Ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial (Art. 9º, VII).
É crucial notar que, conforme o § 4º do Art. 9º, as imunidades para as entidades mencionadas nos incisos I a III não se aplicam às suas aquisições de bens e serviços, ou seja, elas pagam o imposto quando compram.
Seção III – Do Momento de Ocorrência do Fato Gerador
O Art. 10 define que o fato gerador do IBS e da CBS ocorre no momento do fornecimento nas operações com bens ou serviços, mesmo que a execução seja continuada ou fracionada. O § 1º detalha os momentos específicos:
- Início do transporte para serviços de transporte iniciados no País.
- Término do transporte para serviços de transporte de carga iniciados no exterior.
- Término do fornecimento para os demais serviços.
- Momento em que o bem for encontrado sem documentação fiscal idônea.
- Momento da aquisição do bem em licitação pública ou leilão judicial.
Para operações da administração pública, o § 2º do Art. 10 estabelece que o fato gerador ocorre no momento do pagamento. Já para serviços contínuos como água, gás, telecomunicações e energia elétrica, o fato gerador se dá no momento em que se torna devido o pagamento (§ 3º).
O § 4º aborda o pagamento antecipado, onde as antecipações dos tributos são calculadas sobre o valor de cada parcela paga e ajustadas no momento do fornecimento.
Seção IV – Do Local da Operação
O Art. 11 é fundamental para determinar a quem (Estado, Município, Distrito Federal) caberá a arrecadação, pois o IBS é um imposto de destino. O local da operação varia conforme o tipo de bem ou serviço:
- Bem móvel material: local da entrega ou disponibilização ao destinatário (incluindo o destino final em operações não presenciais e o domicílio do adquirente para veículos).
- Bem imóvel, ou bens/serviços relacionados a ele: local onde o imóvel está situado.
- Serviço prestado fisicamente sobre pessoa ou fruído presencialmente: local da prestação.
- Serviço de planejamento/organização de eventos: local do evento.
- Serviço prestado fisicamente sobre bem móvel material e serviços portuários: local da prestação.
- Serviço de transporte de passageiros: local de início do transporte.
- Serviço de transporte de carga: local da entrega ou disponibilização do bem ao destinatário.
- Serviço de exploração de via (pedágios): proporcionalmente à extensão da via em cada Município, Estado ou DF.
- Serviço de telefonia fixa e comunicação por cabos/fios: local de instalação do terminal.
- Demais serviços e bens móveis imateriais: domicílio principal do adquirente em operações onerosas, ou do destinatário em não onerosas.
O § 3º do Art. 11 detalha como identificar o domicílio principal do adquirente/destinatário, priorizando o cadastro único e, na ausência, a combinação de critérios como endereço declarado, informações comerciais, endereço de pagamento e IP do dispositivo.
Seção V – Da Base de Cálculo
O Art. 12 estabelece que a base de cálculo do IBS e da CBS é o valor da operação, salvo disposição em contrário. O § 1º detalha o que compõe esse valor, incluindo acréscimos, juros, multas, descontos condicionais, valor do transporte pelo fornecedor, tributos e preços públicos incidentes sobre a operação (exceto IBS, CBS e IPI).
O § 2º lista o que não integra a base de cálculo:
- O próprio IBS e CBS.
- O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
- Descontos incondicionais (aqueles que não dependem de evento posterior, como programas de fidelidade).
- Reembolsos por valores pagos por conta de terceiros.
- Montante de outros impostos (ITCD, ITBI, imposto sobre rendas e proventos, contribuições sociais e PIS/Pasep) no período de transição (2026 a 2032).
- A Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (CIP).
O § 4º define que a base de cálculo corresponderá ao valor de mercado em situações como falta de valor da operação, operação sem valor determinado, valor não expresso em dinheiro, ou operações entre partes relacionadas.
O Art. 13 trata do arbitramento da base de cálculo pela administração tributária em casos de omissão, falta de documentos, valor declarado notoriamente inferior ao de mercado, ou informações inconsistentes. O arbitramento pode ser feito com base no valor de mercado, no custo do bem/serviço acrescido de despesas e lucro, ou em valores fixados por órgãos competentes.
Seção VI – Das Alíquotas
A Subseção I, dos Art. 14 a 17, trata das alíquotas-padrão do IBS e da CBS:
- A União fixará a alíquota da CBS.
- Cada Estado e cada Município fixará sua alíquota do IBS (o Distrito Federal exercerá ambas as competências).
- As alíquotas podem ser vinculadas a uma alíquota de referência ou definidas de forma independente. Na ausência de lei específica, a alíquota de referência será aplicada.
- A alíquota do IBS incidirá sobre cada operação como a soma da alíquota do Estado e do Município de destino.
- A alíquota fixada por cada ente federativo será a mesma para todas as operações, salvo exceções previstas na Lei Complementar.
A Subseção II, dos Art. 18 e 19, detalha as alíquotas de referência:
- Serão fixadas por resolução do Senado Federal em períodos específicos de transição e após 2035.
- Qualquer alteração na legislação federal que afete a arrecadação do IBS ou da CBS deverá ser compensada pela elevação ou redução das alíquotas de referência pelo Senado Federal, a fim de preservar a arrecadação dos entes federativos. Essa medida garante a estabilidade fiscal durante e após a transição.
O detalhamento dessas seções na Lei Complementar é um passo fundamental para a operacionalização da reforma tributária. A clareza nas definições de incidência, imunidades, fato gerador, local e base de cálculo, juntamente com as regras de alíquotas, busca trazer segurança jurídica e previsibilidade para contribuintes e entes federativos.
Considerando a complexidade do sistema anterior, essas novas regras representam um avanço significativo rumo à simplificação?