A Reforma Tributária, com a iminente criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), tem gerado um debate crucial sobre o futuro de regimes especiais, como a Zona Franca de Manaus (ZFM). A grande questão é: como garantir a competitividade desse polo industrial estratégico diante das profundas mudanças no sistema tributário nacional? O Projeto de Lei Complementar (PLP) 51/2024 surge como um pilar fundamental para responder a essa pergunta, delineando as regras que buscam preservar as vantagens da ZFM.
O Artigo 6º do PLP 51/2024: Salvaguardando a Competitividade
O cerne da proteção à ZFM no novo sistema tributário está no Artigo 6º do PLP 51/2024. Este dispositivo legal é categórico ao garantir a manutenção das vantagens competitivas da ZFM por meio de uma regra específica para o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Em sua essência, o IPI, que em regra terá suas alíquotas reduzidas a zero para a maioria dos produtos no território nacional, permanecerá incidente em todo o país, EXCETO na Zona Franca de Manaus.
Essa medida visa um objetivo claro e de grande importância socioeconômica: evitar a perda de investimentos e empregos em um polo industrial que é vital para o desenvolvimento da Região Norte do Brasil. A lógica é simples: ao manter o IPI incidente em produtos industrializados fora da ZFM e zerá-lo para os produzidos na Zona Franca, cria-se um diferencial competitivo que estimula a produção local e a atração de novas indústrias.
A Base Legal e os Critérios de Relevância
A Emenda Constitucional 132/2023, marco da Reforma Tributária, já antecipava essa particularidade no seu Artigo 126, inciso III, alínea “a”. Este trecho constitucional estabelece que o IPI (previsto no Art. 153, IV, da Constituição Federal) terá suas alíquotas reduzidas a zero, exceto em relação aos produtos que tenham industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus, conforme critérios estabelecidos em lei complementar. O PLP 51/2024, portanto, cumpre essa determinação constitucional ao detalhar tais critérios.
Para que um produto seja considerado de produção relevante na ZFM e, consequentemente, mantenha o IPI incidente sobre ele quando produzido fora da região, o §1º do PLP 51/2024 estabelece um critério objetivo: mais de 2/3 da produção nacional daquele item deve ter ocorrido na ZFM em 2023. Esse é um marco temporal importante que define quais produtos terão esse tratamento diferenciado.
Transparência e Ajustes Futuros
Para garantir a transparência e a previsibilidade, o §2º do PLP 51/2024 prevê que o Poder Executivo divulgará, a cada 5 anos, a lista de produtos que serão tributados pelo IPI (ZFM). Essa periodicidade permite que o mercado se ajuste e que as empresas planejem seus investimentos com base em informações atualizadas.
Outro ponto crucial é a relação entre o IPI (ZFM) e o recém-criado Imposto Seletivo (IS). O §3º do PLP 51/2024 garante que se um produto for tributado pelo IPI (ZFM), ele não poderá ser atingido pelo Imposto Seletivo. Essa regra evita a bitributação e reforça o incentivo fiscal para os produtos da Zona Franca.
Adicionalmente, o §4º prevê que o IPI será ajustado (inclusive proporcionalmente) para manter o diferencial competitivo da ZFM. Essa flexibilidade é vital para que o benefício fiscal da Zona Franca seja preservado, levando em conta, inclusive, eventuais créditos presumidos de IBS e CBS.
Crédito Presumido da CBS para Insumos da ZFM
O PLP 51/2024 vai além e estabelece um incentivo adicional para a cadeia produtiva nacional. O §5º determina que produtos fabricados na ZFM e usados como insumo industrial por empresas em qualquer lugar do país darão direito a um crédito presumido de 80% da alíquota da CBS. Essa medida visa fomentar a integração da produção da ZFM com o restante da indústria brasileira, ao mesmo tempo em que reduz o custo de aquisição de insumos provenientes da região.
Ponto de Atenção para Empresas
Apesar das garantias, há um ponto de atenção crucial para as empresas. A possibilidade de ampliação significativa da produção de determinado item na Zona Franca de Manaus pode levar a uma situação em que mais de 2/3 da produção nacional desse item passe a ser concentrada na ZFM. Consequentemente, tal item poderá começar a ser tributado pelo IPI em outros estados brasileiros, perdendo o benefício da alíquota zero fora da Zona Franca. Por isso, empresas que atuam fora da ZFM devem ficar atentas às propostas de intenção de produção na região e à lista divulgada pelo Poder Executivo a cada cinco anos.
Em suma, o PLP 51/2024 demonstra um esforço legislativo para proteger a Zona Franca de Manaus em meio à Reforma Tributária. A manutenção estratégica do IPI é o principal mecanismo para garantir que a ZFM continue sendo um polo de desenvolvimento e atração de investimentos, adaptando-se ao novo sistema tributário sem perder seu diferencial competitivo.