A reforma tributária brasileira, em curso desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023, introduz não apenas novos tributos — como o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) —, mas também mecanismos modernos de arrecadação. Entre eles, destaca-se a implementação do sistema de split payment, programada para iniciar de forma faseada a partir de 2027.
O anúncio foi feito por Bernard Appy, secretário especial da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, durante o 4º Congresso da Associação Brasileira das Instituições de Pagamentos (Abipag), reforçando que a medida será inicialmente opcional e aplicada às transações entre empresas (modelo B2B).
O que é o Split Payment?
O split payment, ou pagamento fracionado, é um mecanismo de arrecadação tributária no qual o valor do imposto incidente sobre uma operação comercial é automaticamente destacado e recolhido ao fisco no momento da transação, de forma separada do valor líquido devido ao fornecedor.
Na prática, isso significa que, em uma venda entre empresas, por exemplo, o valor correspondente ao tributo será direcionado diretamente ao ente arrecadador (União, Estado ou Município), enquanto o restante será transferido ao vendedor. O modelo busca garantir maior controle, reduzir sonegação e evitar inadimplemento tributário.
Implementação Faseada e Opcionalidade Inicial
Segundo o secretário Bernard Appy, a introdução do split payment será gradual. Em um primeiro momento, a adesão ao sistema será opcional para as empresas, o que permitirá um período de transição estruturada e de adaptação tecnológica, reduzindo impactos abruptos na liquidez empresarial.
Esse cuidado tem o objetivo de evitar os efeitos adversos observados em outras experiências internacionais, nas quais a imposição abrupta do modelo gerou resistências e dificuldades operacionais.
Meios de Pagamento e Avanço dos Estudos Técnicos
Cristiane Coelho, diretora Jurídica da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), destacou que os estudos técnicos sobre o split payment estão avançados em determinados meios de pagamento, especialmente nos boletos bancários, que já operam com estruturas tecnológicas compatíveis com a separação de valores no momento do pagamento.
Há também uma intenção clara de expansão para outros meios de pagamento, como cartões e transferências eletrônicas (PIX e TED), o que exigirá o engajamento de instituições financeiras, operadoras de arranjos de pagamento e fornecedores de tecnologia fiscal.
Segundo Coelho, as reuniões do grupo de trabalho de mercado são realizadas diariamente, com discussões técnicas sobre a viabilidade, governança e segurança do novo sistema. Diante dos investimentos esperados, a CNF também avalia solicitar ao governo federal ressarcimento dos custos operacionais decorrentes da adaptação.
A Perspectiva Acadêmica e Internacional
A especialista Lina Santin, coordenadora do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV/SP), destacou que o modelo de split payment já foi implementado, com diferentes graus de sucesso, em países europeus como Itália, Polônia e Romênia. Em suas pesquisas, concluiu que a consensualidade e o diálogo com o mercado são determinantes para o êxito da política fiscal.
Nesse sentido, ela elogiou a estratégia brasileira de iniciar o modelo de forma facultativa e setorial, com abertura para testes-piloto e simulações operacionais antes de uma adoção compulsória.
Potenciais Impactos para as Empresas
A adoção do split payment exige mudanças significativas na forma como as empresas operam suas transações e controlam seus fluxos financeiros. Algumas implicações práticas incluem:
- Revisão dos sistemas de pagamento e de faturamento, para permitir a separação automática do valor do tributo;
- Ajustes nos contratos comerciais e nas políticas de crédito, dado que o fornecedor deixará de receber o valor integral da venda;
- Adaptação dos sistemas ERP e das plataformas de gateway de pagamento, para compatibilização com os novos protocolos exigidos pela Receita Federal e demais entes tributantes;
- Treinamento de equipes fiscais e financeiras, para garantir conformidade e evitar penalidades.
Além disso, a gestão de caixa e o planejamento de fluxo de recursos devem ser reavaliados, considerando o novo cronograma de recebimentos e o possível impacto na capital de giro.
Considerações Finais
A implementação do split payment representa uma ruptura importante no modelo tradicional de arrecadação tributária no Brasil. Sua proposta visa tornar o recolhimento de tributos mais eficiente, previsível e menos sujeito a inadimplência, ao mesmo tempo em que exige um nível elevado de adaptação tecnológica e procedimental por parte do setor privado.
O fato de o governo federal optar por um modelo de transição voluntária, com foco inicial no B2B, deve ser visto como uma oportunidade estratégica para que as empresas testem, avaliem e se preparem tecnicamente antes da obrigatoriedade futura.
Aos profissionais das áreas fiscal, contábil, jurídica e de tecnologia, cabe acompanhar a regulamentação infraconstitucional, participar dos fóruns de discussão e antecipar os impactos e custos envolvidos na implementação.
A transição para o split payment é, acima de tudo, uma etapa natural da transformação digital do fisco brasileiro — e estar preparado desde agora é um diferencial competitivo e um imperativo de governança tributária.