Quando uma mercadoria é vendida e sai diretamente de um armazém geral, sem transitar pelo estoque do vendedor, surge uma dúvida comum: é só uma nota fiscal? Se a sua resposta foi “sim”, atenção! Esse é um erro frequente que pode comprometer a escrituração fiscal da sua empresa e, consequentemente, o correto aproveitamento do ICMS.
A Complexidade da Operação: Armazém no Mesmo Estado vs. Armazém em Outro Estado
A chave para entender essa operação complexa está na localização do armazém geral em relação ao vendedor. A dinâmica de quem emite as notas fiscais, quem destaca o imposto e como a escrituração deve ser feita muda drasticamente se o armazém estiver no mesmo estado (UF) ou em outro estado.
Cenário 1: Armazém Geral no Mesmo Estado do Vendedor
Quando o armazém geral está na mesma UF do vendedor (depositante), a operação é mais simplificada, mas ainda exige atenção para evitar equívocos:
- Emissão da Nota Fiscal de Venda pelo Vendedor: O próprio vendedor emite a nota fiscal de venda para o cliente final. Os CFOPs utilizados são:
- 5.105 (Venda de produção do estabelecimento)
- 5.106 (Venda de mercadoria adquirida ou recebida de terceiros)
- Nessa nota fiscal, o ICMS é destacado normalmente, conforme a tributação aplicável ao produto.
- Nota Fiscal de Retorno Simbólico do Armazém: O armazém geral, nesse caso, NÃO destaca o imposto na saída da mercadoria para o cliente final. Sua responsabilidade é emitir uma nota fiscal de retorno simbólico para o vendedor (depositante), utilizando o CFOP 5.907 (Retorno simbólico de mercadoria remetida para depósito fechado ou armazém geral). Esta nota serve para dar baixa no estoque do armazém e sinalizar o retorno simbólico da mercadoria ao depositante.
Resultado: Nesse cenário, apenas uma nota fiscal representa a venda efetiva para o cliente, que é emitida pelo vendedor. O ICMS é de responsabilidade exclusiva do vendedor.
Cenário 2: Armazém Geral em Outro Estado (UF Diferente do Vendedor)
Aqui, a complexidade aumenta consideravelmente. Quando o depositante (vendedor) e o armazém geral estão em Unidades da Federação diferentes, a responsabilidade pelo destaque do ICMS muda. Conforme o Art. 30 do Convênio SN/1970 e o Art. 10 do Anexo VII do RICMS/SP, o imposto passa a ser destacado pelo próprio armazém geral.
Consideremos o cenário em que o armazém e o cliente final estão na mesma UF, mas diferente da UF do vendedor:
- Nota Fiscal do Vendedor (Depositante) para o Cliente: O vendedor (depositante) emite uma nota fiscal de venda para o cliente final com o CFOP 6.105 (Venda de produção do estabelecimento) ou 6.106 (Venda de mercadoria adquirida ou recebida de terceiros). Importante: essa nota é emitida sem destaque do ICMS, utilizando a CST 41 (Não tributada), pois o destaque do imposto será feito pelo armazém.
- Notas Fiscais Emitidas pelo Armazém Geral: O armazém geral, por sua vez, emitirá duas notas fiscais:
- Para o Comprador (Cliente Final): Uma nota fiscal de “Remessa por Ordem de Terceiro” com o CFOP 5.923 (Remessa de mercadoria efetuada por remessa em consignação industrial ou comercial). É nesta nota que o ICMS será destacado, conforme a tributação do produto.
- Para o Vendedor (Depositante): Uma nota fiscal de “Retorno Simbólico” com o CFOP 6.907 (Retorno simbólico de mercadoria remetida para depósito fechado ou armazém geral), sem destaque do ICMS. Esta nota simboliza o retorno da mercadoria ao estoque do vendedor e deve ser escriturada pelo depositante em um prazo de 10 dias.
Resultado: Nesse cenário, são três notas fiscais envolvidas na operação para que a venda seja legalmente concretizada e o ICMS devidamente apurado.
A Escrituração Correta Pela Empresa Compradora
Para a empresa compradora, a escrituração dessas operações é crucial para garantir o aproveitamento correto do crédito de ICMS e a movimentação adequada do estoque:
- Nota Fiscal do Vendedor (CFOP 6.105 ou 6.106): Deve ser escriturada com o CFOP 2.101 (Compra para industrialização) ou 2.102 (Compra para comercialização), conforme a destinação da mercadoria. ATENÇÃO: Essa nota é escriturada sem crédito de ICMS, pois não houve destaque do imposto. Além disso, essa nota não deve gerar movimentação de estoque, já que a mercadoria não transitou fisicamente pelo estabelecimento do comprador. Ela serve apenas como comprovante da compra.
- Nota Fiscal do Armazém (CFOP 5.923): Esta é a nota mais importante para o comprador. Ela deve ser escriturada com o CFOP 1.923 (Entrada de mercadoria remetida por armazém geral ou depósito fechado) e com a CST (Código de Situação Tributária) conforme a tributação da mercadoria. É essa nota que permitirá o aproveitamento do crédito de ICMS (se aplicável ao regime da empresa) e a entrada efetiva da mercadoria no estoque do comprador.
- Nota de Retorno Simbólico (CFOP 6.907): Essa nota, emitida pelo armazém para o vendedor, não é escriturada pelo comprador. Ela não gera trânsito físico para o comprador nem obrigação fiscal relacionada a esse documento.
Dica de Ouro para o Setor Fiscal
Se você atua no setor fiscal, salve essa informação e monitore de perto as movimentações de vendas com remessa direta de armazéns de terceiros. Essas operações, que parecem simples no papel, são cheias de detalhes técnicos e exigem um rigoroso controle. Um erro na emissão ou na escrituração pode gerar inconsistências, glosas fiscais e até multas.
Base Legal Essencial para Consulta
Para aprofundar seus conhecimentos e validar os procedimentos, consulte a base legal que rege essas operações:
- Convênio SN/1970, arts. 28 a 30: Fundamento para as operações com armazém geral.
- RICMS/SP – Anexo VII, arts. 8º a 10º: Detalha as regras específicas para o estado de São Paulo.
- Consulta SEFAZ-SP nº 28.909/2023: Exemplo recente de interpretação da legislação sobre o tema.
Você já tinha conhecimento de todos os detalhes e complexidades envolvidos na venda de mercadorias saindo direto de um armazém geral? O cuidado fiscal é fundamental para evitar surpresas!