A venda para entrega futura é uma modalidade de operação comercial bastante comum, especialmente em setores que demandam planejamento de produção ou logística. Embora o acordo comercial seja selado em um momento, a entrega física da mercadoria ocorre em uma data posterior. Essa particularidade exige um tratamento fiscal específico, que envolve a emissão de duas notas fiscais e regras claras para a apuração de diversos tributos.
Este artigo detalha o regime tributário aplicável à venda para entrega futura no Brasil, com foco na legislação paulista (RICMS/SP) e nas implicações para ICMS, IPI, PIS/COFINS e empresas do Simples Nacional.
O Conceito de Venda para Entrega Futura
A venda para entrega futura ocorre quando o contrato de compra e venda é formalizado, mas a entrega da mercadoria ao adquirente será realizada em um momento posterior. A disciplina para a emissão de documentos fiscais nessas operações está prevista no Artigo 129 do RICMS/SP, no Anexo I da Portaria SRE-41/23 e no artigo 40 do Convênio s/nº, de 15/12/70.
É importante distinguir a venda para entrega futura do faturamento antecipado, embora para fins de ICMS, a distinção não seja tão relevante.
- Venda para Entrega Futura: A mercadoria já existe e está em poder do fornecedor, que a mantém como mero depositário por conveniência do adquirente até a data da entrega.
- Faturamento Antecipado: A venda é realizada, mas o vendedor ainda não dispõe da mercadoria (não a produziu ou não a adquiriu).
A Resposta à Consulta Tributária 4070/2014 esclarece que, para o ICMS, o fato gerador é a saída da mercadoria (Artigo 2º, I, do RICMS/2000), permitindo a aplicação do Artigo 129 do RICMS/2000 tanto para vendas para entrega futura quanto para faturamento antecipado.
Emissão das Notas Fiscais: Duas Etapas
A operação de venda para entrega futura exige a emissão de duas notas fiscais:
1. Nota Fiscal de Simples Faturamento (ou Faturamento Antecipado)
Esta nota é emitida no momento da celebração do contrato ou do recebimento do adiantamento, antes da efetiva saída da mercadoria.
- CFOP: 5.922 (Lançamento efetuado a título de simples faturamento decorrente de venda para entrega futura).
- Natureza da Operação: Lançamento efetuado a título de simples faturamento decorrente de venda para entrega futura.
- CST ICMS: 90 (Outros) – Não há destaque do ICMS nesta nota, pois o fato gerador ainda não ocorreu.
- CST IPI: 50 (Tributado) – O IPI pode ser antecipado nesta nota, se houver cobrança.
- CST do PIS/COFINS: 01 (Tributado) – As receitas de PIS/COFINS podem ser reconhecidas neste momento, dependendo do regime.
- Dados Adicionais: “Emitida nos termos do artigo 129 do RICMS/SP”.
2. Nota Fiscal de Remessa (Efetiva Saída da Mercadoria)
Esta nota é emitida no momento em que a mercadoria é efetivamente remetida ao adquirente.
- CFOP: 5.116 (Venda de produção do estabelecimento originada de encomenda para entrega futura) ou 5.117 (Venda de mercadoria adquirida ou recebida de terceiros, originada de encomenda para entrega futura).
- Natureza da Operação: Venda de mercadoria originada de encomenda para entrega futura.
- CST ICMS: 00 (Tributado) – O ICMS é destacado nesta nota, pois o fato gerador (saída da mercadoria) ocorre agora.
- CST IPI: 99 (Outras) – Se o IPI foi antecipado na nota de simples faturamento, não haverá novo destaque, ou haverá destaque complementar se a alíquota tiver sido majorada.
- CST do PIS/COFINS: 49 (Outras).
- Dados Adicionais: Referenciar os dados da nota fiscal de simples faturamento (número, série, data) e o valor do IPI destacado nela, se for o caso.
PIS e COFINS: Reconhecimento da Receita
O momento do reconhecimento da receita para PIS/COFINS na venda para entrega futura depende do regime de apuração (competência ou caixa) e da disponibilidade da mercadoria.
- Regime de Competência:
- Mercadoria em Estoque: Se o vendedor possui o bem em estoque no momento da celebração do contrato, a receita deve ser reconhecida no período de apuração em que o contrato foi celebrado, pois o negócio se aperfeiçoa e o comprador se torna proprietário.
- Mercadoria Não em Estoque (Faturamento Antecipado): Se o vendedor ainda não fabricou ou adquiriu o bem, a receita deve ser reconhecida no período de apuração em que o bem ficar disponível para o comprador (produzido ou adquirido).
- Regime de Caixa: As receitas são reconhecidas e tributadas quando do seu efetivo recebimento.
Consultas como a Solução de Consulta nº 507/17, nº 4.050/17 e nº 136/2010 da Receita Federal fornecem mais detalhes sobre o tratamento de PIS/COFINS.
IPI: Lançamento Antecipado e Emissão da Nota Fiscal
O RIPI/2010 (Decreto nº 7.212/2010), em seu Artigo 187, inciso I, faculta ao sujeito passivo antecipar o lançamento do IPI para o momento da venda, quando esta for para entrega futura.
- Emissão Obrigatória/Facultativa: O Artigo 407, inciso VII, do RIPI/2010 estabelece que a nota fiscal será emitida nas vendas para entrega futura quando houver, desde logo, cobrança do imposto. O Artigo 410 complementa, tornando a emissão facultativa, salvo se houver destaque do imposto, o que a torna obrigatória.
- Segunda Nota Fiscal (Efetiva Saída): O § 3º do Artigo 407 determina que, por ocasião da efetiva saída do produto, o vendedor emitirá nova nota fiscal:
- Sem destaque do imposto (se já destacado na primeira nota), ou com destaque complementar se a alíquota majorar.
- Com indicação da diferença do imposto resultante de eventual redução da alíquota.
- Com a declaração do número, série e data da nota fiscal originária, bem como da nota fiscal expedida pelo comprador ao destinatário (se for o caso), e do IPI destacado nessas notas.
Desfazimento da Operação (Cancelamento)
O desfazimento de uma venda para entrega futura pode ocorrer em diferentes momentos, com procedimentos distintos:
- Antes da Saída da Mercadoria (apenas Nota de Simples Faturamento emitida):
- Conforme a Resposta à Consulta 20250/2019, se a venda for cancelada antes da saída da mercadoria, o contribuinte pode registrar a ocorrência no livro Registro de Utilização de Documentos Fiscais e Termos de Ocorrências, preservando todos os documentos comprobatórios da desistência. Não há necessidade de emitir documento fiscal para estornar a Nota de Simples Faturamento, pois ela tem efeito eminentemente comercial e não fiscal para o ICMS.
- Após a Saída da Mercadoria (Nota de Remessa emitida):
- Se a mercadoria já foi entregue e a Nota Fiscal de venda (CFOP 5.116/5.117) já foi emitida, e o destinatário precisa devolver a mercadoria, ele deverá emitir uma Nota Fiscal de devolução da mercadoria, conforme a Resposta à Consulta 25725/2022.
- IPI: O estabelecimento industrial ou equiparado anulará o lançamento do IPI, mediante estorno de débito.
Venda para Entrega Futura e o Simples Nacional
Para empresas optantes pelo Simples Nacional, o reconhecimento da receita segue o regime de competência ou caixa, conforme a escolha da empresa.
- Regime de Competência (Solução de Consulta nº 12/2017 – Cosit):
- Bem em Estoque: A receita é reconhecida no período de apuração em que o contrato foi celebrado.
- Bem Não em Estoque: A receita é reconhecida no período de apuração em que o bem for produzido ou adquirido.
- Regime de Caixa: A receita é reconhecida e tributada quando do seu efetivo recebimento.
Mudança de Regime Tributário
As Respostas à Consulta Tributária 21257/2020, 22770/2020 e 22833/2020 abordam cenários de mudança de regime:
- Vendedor no Simples Nacional no Faturamento, Entrega Após Desenquadramento (RPA):
- A base de cálculo do ICMS no Simples Nacional é a receita bruta auferida/recebida.
- Ao sair do Simples Nacional, o contribuinte pode creditar-se do ICMS sobre mercadorias em estoque no dia anterior à exclusão, para adequar-se às futuras saídas tributadas pelo RPA.
- Vendedor no RPA no Faturamento, Entrega Após Reenquadramento (Simples Nacional):
- No RPA, a NF de remessa para entrega futura deve conter o destaque do ICMS.
- Ao retornar ao Simples Nacional, o ICMS será calculado sobre a receita bruta auferida no mês. Em situações de impedimento de recolher o ICMS pelo Simples Nacional, o contribuinte deve procurar o Posto Fiscal para orientação.
Conclusão
A venda para entrega futura é uma operação que exige atenção redobrada aos detalhes fiscais. A correta emissão das duas notas fiscais, o entendimento do momento de reconhecimento da receita para cada tributo e a observância dos procedimentos em caso de desfazimento são cruciais para evitar problemas com o fisco. Empresas, especialmente as do Simples Nacional, devem estar atentas às particularidades de seu regime e, em caso de dúvidas, buscar sempre o auxílio de um profissional contábil ou tributário.