A venda de bens, mercadorias ou a prestação de serviços para órgãos da Administração Pública é uma oportunidade significativa para muitas empresas. Contudo, essa modalidade de operação possui particularidades fiscais complexas que exigem atenção redobrada do fornecedor. Desde a isenção de ICMS em certas operações até as regras específicas de faturamento e retenções de tributos, a conformidade é essencial para evitar problemas com o fisco.
Este artigo detalha o tratamento fiscal aplicável às vendas para órgãos públicos no Brasil, com foco na legislação do ICMS e nas retenções tributárias federais e estaduais.
Isenção do ICMS em Operações Internas com Órgãos Públicos Estaduais
No Estado de São Paulo, o Artigo 55 do Anexo I do RICMS/SP prevê a isenção do ICMS nas operações e prestações de serviços internas relativas à aquisição de bens, mercadorias ou serviços por órgãos da Administração Pública Estadual Direta e suas Fundações e Autarquias.
É crucial observar as seguintes condições para a aplicação dessa isenção:
- Dedução do Imposto: O valor do ICMS dispensado deve ser deduzido do valor total do bem, da mercadoria ou do preço do serviço. Isso significa que a isenção não é um benefício para o fornecedor aumentar sua margem, mas sim para reduzir o custo de aquisição do órgão público.
- Informação na Nota Fiscal: A Nota Fiscal (NF-e) deve conter, além dos requisitos usuais, a indicação, por item, do valor do imposto deduzido.
- Manutenção do Crédito: Uma vantagem importante para o fornecedor é que não se exigirá o estorno do crédito do imposto relativo aos bens, mercadorias ou prestações de serviço beneficiados com essa isenção. Isso significa que o fornecedor pode manter os créditos de ICMS sobre suas compras de insumos e matérias-primas utilizadas na produção ou aquisição dos itens vendidos com a isenção.
Venda para Órgãos Públicos com Entrega em Outro Local (Artigo 129-A do RICMS/SP e Ajuste SINIEF 13/2013)
É comum que órgãos públicos adquiram mercadorias, mas solicitem que a entrega seja feita diretamente a outros órgãos ou entidades (por exemplo, um hospital adquire material e pede que seja entregue em um posto de saúde). Para essas situações, o Artigo 129-A do RICMS/SP e o Ajuste SINIEF 13/2013 estabelecem um procedimento de emissão de duas Notas Fiscais, similar à operação de venda à ordem:
1. Nota Fiscal de Faturamento (Sem Destaque do Imposto)
Esta nota é emitida pelo fornecedor para o órgão público adquirente no momento do faturamento da venda.
- CFOP: 5.101/5.102 (Venda de produção do estabelecimento/mercadoria adquirida ou recebida de terceiros) ou 6.107/6.108 (Venda de produção/mercadoria adquirida para outro Estado).
- Destinatário: O próprio órgão ou entidade da Administração Pública Direta ou Indireta adquirente.
- Destaque do Imposto: Emitida SEM destaque do ICMS, mesmo que a operação seja tributada.
- Grupo de Campos “Identificação do Local de Entrega”: Preencher com o nome, CNPJ e endereço do destinatário efetivo (o local onde a mercadoria será entregue).
- Campo “Nota de Empenho”: Informar o número da respectiva nota de empenho.
2. Nota Fiscal de Remessa (Com Destaque do Imposto)
Esta nota é emitida pelo fornecedor para acompanhar o transporte da mercadoria até o destinatário efetivo.
- CFOP: 5.949/6.949 (Outra saída de mercadoria não especificada).
- Destinatário: Aquele determinado pelo órgão adquirente (o local efetivo da entrega).
- Natureza da Operação: Expressão “Remessa por conta e ordem de terceiros”.
- Destaque do Imposto: Emitida COM destaque do ICMS, quando devido.
- Campo “Chave de Acesso da NF-e Referenciada”: Informar a chave de acesso da NF-e de faturamento (a primeira nota).
- Campo “Informações Complementares”: A expressão “NF-e emitida nos termos do artigo 129-A do RICMS e Ajuste SINIEF 13/2013”.
A Resposta à Consulta Tributária 16563/2017 confirma e detalha esse procedimento.
Retenções de Tributos Federais e Estaduais
Além do ICMS, as vendas para órgãos públicos, especialmente da esfera federal, estão sujeitas a retenções na fonte de outros tributos. A Instrução Normativa RFB nº 1234, de 11 de janeiro de 2012, dispõe sobre a retenção de tributos (IRPJ, CSLL, PIS/PASEP e COFINS) incidentes sobre pagamentos efetuados a pessoas jurídicas por órgãos da administração pública federal direta, autarquias, fundações, empresas públicas federais, sociedades de economia mista e demais entidades que menciona.
Embora esta IN seja específica para a esfera federal, muitos Estados e Municípios possuem legislação própria que exige retenções semelhantes para seus fornecedores.
IRPJ e CSLL em Órgãos Públicos Estaduais e Municipais
O Parecer SEI Nº 5744/2022/ME faz referência ao julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.293.453/RS (Tema nº 1130 de repercussão geral) pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A tese fixada foi:
“Pertence ao Município, aos Estados e ao Distrito Federal a titularidade das receitas arrecadadas a título de imposto de renda retido na fonte incidente sobre valores pagos por eles, suas autarquias e fundações a pessoas físicas ou jurídicas contratadas para a prestação de bens ou serviços, conforme disposto nos arts. 158, I, e 157, I, da Constituição Federal.”
Isso significa que o IRPJ retido na fonte por órgãos públicos estaduais e municipais pertence a esses entes federados, e não à União. Para as empresas fornecedoras, isso reforça a necessidade de estar atenta às regras de retenção de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS aplicáveis pelo órgão público contratante, que podem variar conforme a esfera (federal, estadual, municipal).
Conclusão
Vender para órgãos públicos é uma avenida de negócios com grande potencial, mas exige uma gestão fiscal precisa. O fornecedor deve estar ciente da isenção de ICMS em operações internas para órgãos estaduais (com a devida dedução no preço e manutenção do crédito), das regras de emissão de duas Notas Fiscais em caso de entrega em local diferente do faturamento, e das diversas retenções de tributos (IRPJ, CSLL, PIS/COFINS) aplicáveis pelos entes da federação.
A complexidade da legislação tributária e as particularidades de cada órgão e esfera administrativa tornam imprescindível o acompanhamento de um profissional de contabilidade ou consultoria especializada. Estar em conformidade não apenas evita passivos fiscais, mas também fortalece a relação comercial com o setor público.