Venda para Pessoa Física com Volume Incompatível para Consumo – Desvendando a Questão Fiscal

FISCAL E TRIBUTARIO

A venda de mercadorias para pessoa física é uma operação comum no dia a dia das empresas. No entanto, quando o volume ou a habitualidade dessas vendas para um mesmo CPF se torna atípica para o consumo final, surge uma questão fiscal importante: essa pessoa física pode ser considerada um contribuinte do ICMS? A correta identificação do adquirente é crucial para o cumprimento das obrigações tributárias, especialmente em relação à substituição tributária (ICMS-ST).

Este artigo explora os critérios que definem um contribuinte do ICMS, as orientações dos fiscos estaduais sobre vendas para pessoas físicas em volume incompatível com o consumo, e as responsabilidades do vendedor nessas situações.


Quem é Contribuinte do ICMS?

A Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir) e os regulamentos estaduais, como o Artigo 9º do RICMS/SP, definem o contribuinte do ICMS de forma ampla:

“Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.”

Essa definição é fundamental, pois estabelece que mesmo uma pessoa física, se demonstrar habitualidade ou intuito comercial na aquisição de mercadorias, pode ser equiparada a um contribuinte do ICMS, mesmo que não possua Inscrição Estadual formal.


Volume Incompatível para Consumo e o Intuito Comercial

A grande questão prática reside em como identificar o “volume incompatível para consumo” ou o “intuito comercial” em uma pessoa física. Embora não haja um critério quantitativo universal definido pela legislação nacional, diversos Estados já se manifestaram por meio de pareceres e consultas tributárias:

  • São Paulo (Resposta à Consulta Tributária 18258/2018): Reforça que a definição da natureza do adquirente (contribuinte ou consumidor final) é fundamental e deve ser feita previamente à operação, à luz do Artigo 9º do RICMS/2000. Para não contribuintes/consumidores finais, a regra geral é a não aplicação da substituição tributária, por não haver operação subsequente tributada.
  • Espírito Santo (PARECER Nº 103/2014): Afirma que a venda para pessoa física destinada ao consumo não gera ICMS/ST. No entanto, o vendedor deve observar o volume, a quantidade e a periodicidade das aquisições. Se houver incompatibilidade com a destinação de consumo, o vendedor deverá exigir a apresentação do documento que comprove a inscrição no cadastro de contribuinte do ICMS.
  • Goiás (PARECER GEOT Nº 413/2013): Esclarece que se os requisitos de habitualidade e intuito comercial estiverem presentes, a pessoa física está caracterizada como contribuinte. Nesses casos, o vendedor deve exigir a inscrição estadual. A legislação goiana não proíbe a venda a contribuinte não inscrito, mas alerta que o vendedor pode ser solidariamente responsável pelos débitos do ICMS desse adquirente (Art. 45, inciso XIII, da Lei nº 11.651/91). Além disso, reforça que para venda a consumidor final (pessoa física ou jurídica, contribuinte ou não), em operação interna, não se aplica o regime de substituição tributária.
  • Piauí (PARECER UNATRI/SEFAZ Nº 088/2008): Diante de vendas a pessoas físicas com quantidade superior a 10 unidades de um produto (exemplo dado na consulta), o fisco piauiense recomenda tratar a operação como venda a contribuinte não inscrito. Nesses casos, a nota fiscal deve ser emitida normalmente, com destaque do ICMS e retenção do ICMS-ST (aplicando a alíquota interna sobre a base de cálculo da ST, deduzindo o ICMS próprio).

Implicações e Responsabilidades para o Vendedor

A correta identificação do adquirente é crucial porque:

  1. Aplicação do ICMS-ST: Se a pessoa física for considerada contribuinte por ter intuito comercial, e a mercadoria for sujeita à substituição tributária, o ICMS-ST deverá ser recolhido pelo vendedor remetente. A não observância pode gerar autuações e cobrança do imposto devido.
  2. Responsabilidade Solidária: Em alguns Estados, como Goiás, o vendedor pode ser responsabilizado solidariamente pelos débitos de ICMS de um adquirente que, embora seja contribuinte de fato, não possui inscrição estadual ou está em situação irregular.
  3. Emissão de Nota Fiscal: A forma de emissão da nota fiscal (com ou sem ICMS-ST, com ou sem a exigência de Inscrição Estadual) dependerá da qualificação do adquirente.

Como o Vendedor Deve Agir?

Diante de uma venda para pessoa física em volume atípico, a empresa vendedora deve adotar cautela:

  • Análise do Contexto: Avaliar a quantidade, a frequência e o tipo de produto. Um volume incomum de um produto específico (ex: centenas de pacotes de arroz, caixas de óleo automotivo, etc.) pode ser um indicativo de revenda.
  • Solicitar Informações: Se houver dúvidas, o vendedor pode solicitar informações sobre a finalidade da compra. Em casos mais evidentes de intuito comercial, pode ser necessário exigir a Inscrição Estadual.
  • Atenção à Legislação Estadual: As regras podem variar de Estado para Estado. É fundamental consultar a legislação do Estado de origem e do Estado de destino da mercadoria para operações interestaduais.

Venda Não Presencial e Pontos de Retirada (Ajuste SINIEF Nº 14/2022)

É importante notar que o Ajuste SINIEF Nº 14/2022 trouxe regras específicas para a retirada e devolução de mercadorias em vendas não presenciais (comércio eletrônico ou telefônico) por consumidor final não contribuinte do ICMS.

Nesses casos, a retirada e devolução podem ser feitas em pontos de retirada de estabelecimentos do mesmo grupo econômico ou de terceiros (contribuintes ou não). Esta regra simplifica a logística de e-commerce, mas se aplica especificamente a “consumidor final não contribuinte”, o que reforça a necessidade de identificar corretamente o perfil do adquirente.


Conclusão

A venda para pessoa física, quando em volume incompatível com o consumo, acende um alerta para as empresas. A interpretação da “habitualidade” e “intuito comercial” pode transformar o adquirente em um contribuinte oculto do ICMS, gerando responsabilidades fiscais para o vendedor.

É fundamental que as empresas estabeleçam critérios internos para identificar essas situações e, quando necessário, solicitem a Inscrição Estadual ou apliquem as regras de substituição tributária, conforme a legislação de cada Estado. A omissão pode resultar em passivos fiscais e sanções. Em caso de dúvida, a consulta a um especialista tributário é sempre a melhor prática.

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